segunda-feira, 1 de setembro de 2008

O esvaziamento do conceito - uma introdução.


Se alguém souber o que é o Amor, por favor levante o braço.
Reformulo: se alguém souber o que é o Amor, levante, por gentileza, os dois.
Quando se aperceber do trilho que o seu raciocínio tomará, já o primeiro conceito terá sido abandonado, adulterado, metamorfoseado, imbricando-se num segundo, de onde se partirá para um terceiro ou quarto conceitos, ou até um quinto novelo de palavras e sensações com que se tentou já antes deste exercício definir o Amor.
O entendimento do que é o Amor sofreu tantas transmutações ao longo de séculos que será uma tarefa difícil a de condensar todas as descrições ou tentativas de o descrever que vamos encontrando entre os filósofos, filólogos, artistas, psiquiatras, sexólogos, psicólogos, sociólogos, e outros "ólogos" da era actual.
Na verdade, creio que cada ser humano tem dentro de si a sua resposta mágica para esta questão. Sem palavras, que apenas complicam o que já é de si parece complicado exprimir. Logradas as tentativas de definir o indefinível, aquilo que mistura uma alteração bioquímica no organismo, com uma série de directivas recebidas pelas traves mestras da nossa educação, cultura, religião e personalidade própria, compreendemos que Amor será, necessariamente, tudo aquilo que se sente como sendo "Amor". Uma palavra tão pequena, tão cheia de tudo.
E por favor, não tentemos categorizá-lo. Amor Platónico, idealizado, mental (mais correcto seria o Socrático, mas as suas ideias foram difundidas e escritas por Platão), Amor de Mãe, Amor Fraterno, Amor Romântico, Amor ao Próximo, Amor Próprio. O Amor é o Amor. Aqui debateremos o Amor a dois. O Amor carnal, o amor que leverá dois seres a atrairem-se mutuamente pelas suas afinidades e polarizações. O amor iniciático, o amor como resultado aritmético da soma holística da grande amizade com a paixão, que inclui o desejo sexual.
Ainda hoje, dois séculos volvidos sobre os Românticos e a "coita de amor", somos reféns desse modelo, já cantado por Shakespeare em Romeu e Julieta 300 anos antes.
Não podemos, porém, ser injustos com a Igreja Católica e o significado do sacramento "matrimónio".
Tudo isto misturado, temos uma teia de (pre)conceitos que são inculcados na definição de Amor de forma quase artificial. Somos treinados, ensinados a amar uma só pessoa, desesperadamente e para toda a vida. Depois apercebemo-nos, de que se já a amámos desesperadamente, já não amamos mais da mesma forma. Se é que ainda a amamos. Se é que ainda queremos passar o resto da nossa vida com a pessoa escolhida.
Hoje deixamos de sentir o Amor para passar a personificar o que sobre ele se tem escrito e ensinado. Na verdade, não raro, o sentimento de culpa aparece associado aos nossos afectos, que nos parecem algo parecido ao Amor, mas não tão nobres quanto aquele rio de emoções que matou Romeu e matou Julieta, ou que nos faz desejar ficar 60 anos da nossa vida ao lado de alguém. Mas no fundo, sabemos que aquilo que sentimos e não sabemos explicar enquanto presença do Amor, pois contra tudo o que nos ensinaram acerca dele vai, é também em parte, ou é uma parte do sentimento Amor, talvez não todo.
O Amor não tem uma fórmula ou uma receita.
Sente-se.
É algo que, de tão simples de acontecer, se tenta obrigatoriamente e sempre complexificar.
Parece natural ao ser humano tentar explicar aquilo que não consegue igualar aos próprios mitos que criou.
Criou-se a ideia de que o Amor é tudo o que vale a pena na vida. E agora, sempre terá que valer, seja qual for o custo.
Criou-se a ideia, de que o Amor tem que durar uma vida inteira. E agora, terá que durar, até como manifestação de sucesso pessoal, como se isso se tivesse tornado mais um "goal" a atingir na enorme "tasks list" de uma vida bem sucedida.
Depois, (ou até antes) a sempre actual "guerra dos sexos". Desde tempos imemoriais, ao homem foi permitido amar a sua mulher, mesmo mantendo envolvimentos sexuais com outras pessoas, fora da esfera íntima do casal.
Já à sua mulher, não seria permitido amá-lo e manter envolvimentos físicos com outros homens. Essa prática era considerada suja e motivo de abandono.
Se remontarmos ao Direito Romano, sendo certo que esses valores já lhe eram pré-existentes, descobrimos os motivos pelos quais a sociedade foi delineando as "permissões" ao Amor desta forma. É que, sendo a mulher o género que engravida, e sendo os filhos a garantia de sucessão da família, se se aceitasse que a mulher tivesse relações sexuais fora do seio do casal, então admitir-se-ía que os filhos pudessem não ser do pai que os iria sustentar. Este entendimento ainda foi aludido em muitas decisões em processos de divórcio durante o Estado Novo português, no século XX. A infidelidade do marido não era motivo justificado para pedir o divórcio, até porque a mulher não tinha o direito de o pedir, mas a infidelidade da mulher era legalmente condição suficiente para que o marido a afastasse da sua vida.
E falamos apenas do mundo ocidental, da cultura e modelo ocidentais de relacionamento.
Bom, entretanto as mulheres emanciparam-se e começaram também elas a reivindicar os seus direitos, incluindo o direito ao divórcio. Este fenómeno veio revirar completamente o panorama do Amor institucionalizado, assinado, contratado.
Na verdade, as mulheres iniciaram também elas um processo de permissão ao Amor, envolvendo-se com outros parceiros e optando por manter ou não as suas relações. Esta mudança veio atemorizar os homens que perceberam que rapidamente perderiam a segurança que milhares de anos de História lhes atribuiram.
Então, novos conceitos de Amor surgiram, mais pragmáticos, menos idealizados e, por que não dizê-lo, mais defensivos. Agora esvazia-se o conceito de Amor, para que seja mais fácil conviver com todas as suas componentes mesmo quando elas não se encontram geminadas no sentimento devotado a uma só pessoa.
A paixão começa a ser afastada do Amor. A atracção começa a ser afastada do Amor. A fidelidade começa a ser desconstruída e desmontada em fidelidade emocional e fidelidade física ou ainda fidelidade ao nível da mera fantasia.
E quem ama com paixão sofre daquilo a que a moderna psiquiatria chama de "patologia de amor". A paixão é remetida para uma explicação técnica que se refere a uma baixa de sorotonina e de dopamina no organismo, considerada como um estado associado a transtornos como depressão major, ansiedade ou transtorno obsessivo-compulsivo.
A paixão passou a ser um "alvo a abater", até porque na verdade, ele abate-se a si próprio, na maior parte das vezes.
É nesta altura que a paixão passa a ser caracterizada por um mero estado inicial de enebriamento pela pessoa, objecto de desejo, que se encontra condenada a curto ou médio prazo, entre 4 meses a 2 anos, a desaparecer.
Caso alguém esteja apaixonado ao fim de 5, 10, 20 anos de relacionamento, estará, seguramente doente.
As mulheres, mais sujeitas a alterações hormonais, mais emocionais por natureza, rapidamente podem ser catalogadas como doentes de amor. Na verdade, sempre foram elas que mais viram inculcado nos seus valores, o conceito do amor romantico, desesperado, cego e eterno, fiel, apaixonado para todo o sempre por um só homem.
Na verdade muito se tem escrito e estudado sobre casos do chamado "amor patológico" que parece ser mais frequente em mulheres. Mais não é isso do que, na palavra dos técnicos, "amar demais".
Por todo o lado hoje se lê, se defende que "o que é saudável" é viver a dois, em família e temos que lutar contra todos os nossos instintos e tentações para alcançar essa meta.
Uma relação saudável, de "Amor", entenda-se, é hoje definida como uma relação morna de companheirismo, de amizade e muita muita muita tolerância e compreensão.
É permitido amar uma pessoa (sendo esse sentimento, a tal amizade e o tal companheirismo que são os únicos sentimentos saudáveis que deverão sobreviver depois da fase da paixão) e desejar-se, sentir-se atraído por outras, apaixonar-se por outras, "desde que isso não meta em causa a vida a dois e o equilíbrio da família".
A fidelidade mental e emocional é desconsiderada por se entender que cabe na esfera pessoal e individual de cada ser humano e está na livre disponibilidade de cada um, mesmo após se ter assumido um compromisso e se terem jurado paixão e fidelidade (mental, emocional e física), pelo menos, durante o tempo em que estiverem juntos, seja isso uma vida inteira ou não. Desde que não haja coito, ou um enamoramento para além da paixão por outra pessoa (até já o coito é desconsiderado na sua gravidade, desde que no coito não entrem ou não se admitam afectos como os que se sente pelo companheiro, que é, ele sim, o "ente amado"), entende-se que o Amor não está posto em perigo e também se aceita que todas essas promessas não foram quebradas, dado que se exige, antes de tudo o mais, bom senso e pouca ingenuidade à pessoa a quem essas promessas foram feitas. "Em que mundo vives tu?"
As vozes dissidentes são as vozes consideradas "doentes de amor" e que precisam ser tratadas.
No final, temos a desconstrução do conceito natural, inerente a cada ser humano, que sabia por si mesmo o que é o Amor, sem que fossem necessárias palavras, temos a sua deserotização, ao serviço da vida a dois na sociedade moderna e em nome da paz familiar e social.
Na verdade, leituras à parte, teorias e estudos postos de lado, todos sabemos que o Amor não é isto. Todo este desfilar de ideias, conceitos, acontecimentos é uma mera observação histórica e sociológica duma sociedade que está a pagar o preço da dispersão consumista, globalizada e do individualismo.
De todo o modo, sempre queremos manter os nossos mitos, pois ainda não estamos preparados para aceitar que, afinal, o Amor, não é tudo o que existe.

2 comentários:

Unknown disse...

Brilhante, e o minimo que posso dizer. Gnosis ainda que com um perfil deliberadamente autobiografico, revela em todo o seu esplendor o seu talento narrativo e porque nao dize-lo a sua inteligencia e forca na defesa dos seus principios. Fascinante.

kalanhaddon disse...

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