quarta-feira, 3 de setembro de 2008

A infidelidade


Este é talvez o tema mais difícil em torno do Amor, ou do que se sabe acerca dele.
Se reflectirmos, percebemos que o conceito de fidelidade assume contornos ainda mais inespecíficos que os do próprio amor. Na verdade "fidelidade" nunca poderá ser pensada, conceptualizada afastando a ideia de "confiança" quando pensamos num relacionamento a dois. Aliás até a própria raiz etimológica de ambas as palavras é a mesma: "fidelitas", "fides". Na verdade, temos também aqui a origem da palavra "fé".
Religiões à parte, uma relação de confiança, de mútua fidelidade, portanto, é também uma relação de fé. Tal como na religião, essa fé pode ser abalada ou não ao longo da vida por vários factores que levam o ente enamorado à descrença e à desilusão na relação amorosa.
Entendo que, na verdade, o conceito de fidelidade tem sido estritamente aplicado e defendido, levando-nos a concepções erróneas sobre o seu significado.
Aquilo a que hoje assistimos é a uma confusão entre exclusividade sexual, nos seus vários níveis em graus e campos que podem variar de acordo com a personalidade ou conveniência dos envolvidos e a"fidelidade". Falamos da fidelidade sexual física, da fidelidade sexual mental (fantasias eróticas extra-parceiro), da fidelidade emocional (atracção, desejo, "flirt", paixão por outras pessoas) ou fidelidade sentimental (amor por outra pessoa).
Na verdade, no conceito de fidelidade assenta muito mais o de verdade que o de exclusividade. A fidelidade não se esgota e, em bom rigor, nem tem que assentar na ideia de exclusividade sexual. Existem vários acordos relacionais entre os parceiros em que é mutuamente aceitável a prática de qualquer prática sexual, mental, emocional ou afectiva fora das portas da relação. Ou até dentro das portas da relação.
Vejamos o caso dos casais ditos "swingers". Dizem os entendidos nas matérias, os terapeutas familiares, sexólogos e outros estudiosos do caso, que os casais swingers são os casais mais felizes, amigos e que conseguem cultivar um maior grau de companheirismo e enamoramento por mais anos.
Não espanta que assim seja.
Na verdade, a inexistência de exclusividade sexual é não só ela consentida como também envolve a presença do outro parceiro no acto sexual.
Podemos sempre dizer que são "promíscuos". Mas o significado da palavra aponta para uma "mistura descoordenada". Não é o caso. Parece que não há grandes rótulos a colocar a este grupo de pessoas que opta consentidamente por viver assim a sua sexualidade dentro da relação.
Parece até um pouco absurdo que se considere a prática do "swing" como "infidelidade consentida", como muitas vezes ouvimos, dado que uma infidelidade já pressupõe o seu não consentimento.
Outras considerações de ordem médica, moral, religiosa podem ser feitas, mas em abstracto não temos aqui nenhuma quebra de confiança no casal. Não há infidelidade.
São casais que aceitam que o seu envolvimento sexual pela outra pessoa já não os satisfaz plenamente e que, embora mantendo algum ou muito desejo sexual pela pessoa com quem pretendem manter a sua relação afectiva, necessitam, para se sentirem plenamente felizes e realizados colmatar essa "parte do Amor" que se foi desgastando ou que nunca existiu introduzindo novos elementos estimulantes à sua rotina, tentando assim, vencer a monotonia que não conseguiram quebrar de outra forma, nem a dois.
Este modelo de relação resulta como sendo mais aceitável do ponto de vista da confiança do que as relações convencionais onde a prática de atitudes sexuais, grosso modo, sejam elas meramente uma fantasia secreta, uma atracção, um desejo, um flirt, uma paixão ou a prática física de actos sexuais com outras pessoas são realizados, pensados, sentidos, a despeito da vontade do parceiro, sem que ele deles tenha conhecimento.
É que a exclusividade sexual é algo que só poderá partir da vontade de cada um, da chamada "cegueira para o mundo" que, na grande maioria, apenas vive nos estados iniciais de uma paixão abrandando ou até desaparecendo com o decorrer do tempo e a habituação à mera presença do outro.
O outro não tem que mudar, que desiludir, basta que se mantenha ali, como sempre foi, ou pode tornar-se ainda mais fascinante, e a bioquímica e a permanente insatisfação e curiosidade humanas encarregar-se-ão de começar a precisar de novidades para se sentir novos desafios e motivações. Uns assumem-no, outros não.
Esta falta de verdade decorre grandemente das imposições morais e éticas da sociedade ainda fortemente enraizada nas práticas religiosas e nos bons costumes que remontam a tempos já perdidos na memória.
O modelo porém, começa a cair hoje em desuso, embora fosse muito comum antes da emancipação da mulher e da sua conquista pela igualidade dos sexos. Era mais comum que o homem, nas relações heterossexuais, ferisse os seus votos de fidelidade à sua mulher, especialmente no que concerne ao desejo, atracção, flirts e prática de actos sexuais com outras parceiras e que as mulheres os ferisse no campo da fantasia e das paixões secretas inconfessadas.
Motivos económicos e de ordem social impunham-se aos desejos e sentimentos pessoais, motivos esses que hoje começam gradualmente a deixar de fazer sentido.
Hoje, é costume ouvir-se que as pessoas já não têm tolerância e "já não há amores como antigamente". É falso, porém, que assim seja.
Ainda há muitos casais que não respeitam as suas promessas de fidelidade, mantendo práticas escondidas do seu companheiro. Todavia, é verdade que cada vez mais o ser humano se assume, na sua individualidade e egoísmo e decide não avançar uma relação onde componentes do sentimento "Amor" se vão canalizando para outros horizontes.
Ocorre, muitas vezes, a tendência para culpabilizar o parceiro por aquilo que se deixou de sentir por ele, mesmo quando ele continua firmemente igual ao que sempre se mostrou, ou ainda mais cativante. Mas isso mais não é que a necessidade de desculpabilização própria pela perda dos nosso próprios afectos, e de um acto meramente egoísta e carregado de dor pelo fracasso de um grande projecto de vida ou de um sonho de Amor.
O carinho, amizade, companheirismo parece ser aquilo que de facto, e desde sempre, se mantém numa relação afectiva a longo prazo.
Se antigamente as pessoas aceitavam essa circunstância como uma fatalidade, admitindo uma vida inteira de desejos e práticas secretas, de sexualidade e paixão canalizadas e orientadas para fora dos seus relacionamentos, hoje em dia, assistimos a um número vertiginoso de divórcios que parece acelerar o seu aumento a cada momento que passa.
Não é verdade que as pessoas amem menos, que sejam mais "infiéis". Isso é, com efeito, redondamente falso.
O que se passa, é que as pessoas, hoje em dia, têm a possibilidade de ir embora (por exemplo, as mulheres antes não tinham o direito a pedir o divórcio em Portugal por motivos de adultério, até 1967, excepto se essa prática se revestisse de "escândalo público", e ainda nem cinquenta anos sobre isso se passaram. Os homens hoje não são mais julgados por abandonarem o lar e os filhos sem o seu sustento pois a mulher é hoje capaz de alimentar os filhos com e sem ajuda do pai ausente).
Actualmente, homens e mulheres são, isso sim, mais fiéis e honestos nas suas relações. Contudo, hoje o casamento acontece mais frequentemente por "Amor" ou algo parecido ao "Amor". Já poucos casam por meras questões sociais, por alianças de famílias, por sobrevivência económica. Aliás, na própria família real espanhola temos um belo exemplo disso: o Príncipe Filipe casou com uma mulher que não pertence a nenhuma das famílias reais, Letizia é jornalista de profissão. É este um sinal dos tempos modernos.
Pórém, aqueles sim, eram motivos duráveis para manter um casamento.
A longevidade de um casamento não depende do Amor. "Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa."
Andamos todos errados em torno de idealismos românticos completamente oníricos.
Um casamento, não depende de amor ou paixão para sobreviver. Um casamento depende apenas da vontade do casal, dos acordos e premissas que estabelecem ao longo da vida para uma convivência passível de agradar aos dois. E isso pode até nem incluir exclusividade sexual e afectiva nas suas vertentes abordadas. Pode até nem incluir Amor, na sua plenitude e em todas as suas vertentes. Mas incluirá necessariamente confiança.
Casamento e Amor cruzam-se provavelmente no início do primeiro mas o seu decurso raras vezes mantém o segundo. De resto, casamento e Amor são realidades distintas que podem ou não coincidir e, mesmo que um dia coincidam, podem ou não manter-se juntas.
Mais dependerá a saúde do casamento da confiança que do próprio Amor.


1 comentário:

Unknown disse...

A minha alma esta parva...summa cum laude...