Muitas vezes, os estados iniciais dos envolvimentos afectivos, dominados por um entusiasmo e sede de descoberta de reconhecida incomensurabilidade, levam os indivíduos a projectar no objecto de desejo, atracção ou paixão, características que lhes são agradáveis, que preenchem, antecipada e precocemente, as suas necessidades e expectativas face ao que podem vir a receber do outro lado.
Verdade é também que, do outro lado, e partindo do pressuposto de que esses sentimentos são também recíprocos, haverá uma tendência para, estudando o comportamento do outro, tentar adequar-se o mais possível às características apreciadas, de molde a obter sucesso no processo de sedução.
Neste pressuposto, parece acontecer que os indivíduos acabam por se deixarem levar por expectativas, agarradas a projecções bem conseguidas e que os levam a iniciar uma relação afectiva, esperando poder contar com essas características reconhecidas, em si próprias e na outra pessoa, durante uma vida inteira.
É certo que, em muitos casos, o jogo de sedução iniciático pode ser bem sucedido e essas projecções e anseios podem, efectivamente, corresponder às características oferecidas pelo parceiro. Mas, na maioria dos casos, aquilo a que se assiste é a uma clivagem enorme entre os sonhos iniciais e os factos que surgem na relação e no próprio indivíduo.
As alterações bioquímicas que ocorrem com o passar do tempo na relação não serão também alheias a este abrandamento das expectativas e das tentativas insistentes de corresponder a essas expectativas.
Mas, muitas vezes, os sentimentos não chegaram a ser seguros o suficiente para resistir à falhada materialização de meros sonhos, meras idealizações que nunca tiveram sustentação na realidade que reveste efectivamente a identidade do objecto amado. Pelo contrário, o que desencadeou essa febre, esse inebriamento, terá sido, provavelmente, o mero desejo pessoal de que as idealizações que acometeram o indivíduo que se julgava apaixonado, muitas vezes demasiado abstractas mas aparentemente reconhecidas na dinâmica do processo sedutor com o outro indivíduo, fossem preenchidas.
Percebendo este processo, também se compreende que o objecto do nosso desejo seja meramente um elemento neutro que será pintado com as cores que preferirmos, vestido com as roupas que gostamos, dotado da voz e da inteligência que desejarmos e provavelmente a sua altura e medidas corporais pouco serão coincidentes com aquelas que lhes atribuimos a olho nú: esta espécie de "miopia emocional" dependerá do tempo que o indivíduo demorará a colocar as lunetas... Não obstante, há quem viva uma vida inteira sem as colocar, pois prefere não saber.
Em bom rigor, neste caso, nunca houve uma verdadeira atracção pelo outro, mas sim o simples desejo de nos revermos e espelharmos em alguém. A solidão, a constância de uma relação infeliz, o desespero ou a imaturidade podem levar o ser humano a esta difícil procura de si próprio no outro e a um consequente choque entre a (des)ilusão e o real.
É comum ouvirmos histórias que terminam com base numa razão tão simplista como "Ele/a não era aquilo que eu estava à espera". E essa é, ironicamente, a pura verdade. A maioria das relações terminam, precisamente, porque essa procura de nós no outro não foi bem sucedida, porque nos deparamos com as diferenças, com as exigências de lidar com alguém diferente de nós, com a necessidade de ter um papel activo no caminho para o sucesso da dinâmica da relação quando se esperava que essa dinâmica fosse algo adquirido e que tivesse uma energia própria rumo ao seu sucesso.
Quando isso falha, ocorrem, muitas vezes, sentimentos de solidão e frustração. Na verdade, o indivíduo não sabe do seu próprio paradeiro e ao deixar de ser ver reflectido no outro, acomete-se de um sentimento de solidão e perda que levam a verdadeiras depressões e finais dolorosos. Ao reconhecer que não tinha também as características que desejou ter para conquistar o objecto de desejo, desiste do projecto e bate emocionalmente em retirada, ainda que permaneça, muitas vezes, fisicamente, na relação. Porém, normalmente, abandona a relação e o outro e, consciente ou inconscientemente, envereda por um processo de fuga, tentando encontrar outras pessoas, actividades para preencher o tempo e onde consiga recomeçar o processo de identificação e não ser confrontado com esse vazio e sofrimento derivados de toda a desilusão e confronto.
Outra forma de reagir, é exigir ao parceiro que seja aquilo que se esperava que ele fosse, ou que este pensava que seria nos estágios iniciais do envolvimento.
Uma coisa é certa: uma desilusão implica a preexistência de uma ilusão. Essa ilusão, frequentemente, é criada pelos dois lados: tanto pelo sujeito desiludido, como por aquele que desilude. O primeiro espera ver-se reflectido no segundo, ou que, pelo menos, ele apresente características que aquele aprecie; o segundo procura metamorfosear-se de forma a corresponder às expectativas do primeiro ou, pelo menos, esconder as características que julga que não seriam apreciadas.
Um convida à mentira, o outro aceita o convite.
Porém, nem sempre o desfecho é tão dramático. Até porque, várias vezes, as pessoas sentem-se atraídas por características reais do parceiro e, quando enveredam por uma relação com ele, não revestem esse percurso de ilusões ou expectativas pouco terrenas. São estas as relações que começam, usualmente, a partir de uma amizade prévia, de um conhecimento a priori da pessoa o que diminui o risco de surpresa, positiva ou negativa, na pendência da relação amorosa.
Mas também o outro elemento da relação não se terá apresentado de forma fantasiosa ou fraudulenta, tornando as expectativas na relação muito mais honestas e fáceis para ambos.
O amor pleno nasce normalmente desta honestidade afectiva inicial, desenvolvendo-se a paixão a partir dessa verdade e assente em pressupostos correctos da natureza de um e de outro.
Porém, qualquer relação e pessoa são entidades que se munem da característica da mutabilidade e de alguma imprevisibilidade. Até a relação mais honesta pode transformar-se num inferno na eventualidade da paixão, do desejo terminarem, bem como a relação mais fantasiosa se pode transmutar numa bonita história de amor verdadeiro.
Porém, o risco de uma situação e a probabilidade de outra são muito, muito diminuídos.
Todavia, cabe dizer, nesta altura, que a grande regra no amor, é a inexistência de regras. Não se pense que haverá fórmulas mágicas para envolvimentos duradouros e apaixonados. Também não se conseguirá construir uma relação de motivos infalíveis para o fim de uma.
Como em tudo na nossa sociedade, o sucesso e fracasso das relações amorosas dependem apenas das vontades dos seus intervenientes e das suas próprias personalidades e sentimentos, não esquecendo o determinante papel da interacção bioquímica entre os sujeitos.
Mas existe um truque importante que parece resultar na maioria dos casos: harmonia individual e bem-estar consigo mesmo. Não é possível ter estima pelos outros se não tivermos, antes disso, estima por nós mesmos; não é possível descobrir o outro se não sabemos onde está a nossa própria espinha vertebral.
segunda-feira, 1 de dezembro de 2008
quarta-feira, 5 de novembro de 2008
1+1 ou 2?
Não resulta líquido se uma relação amorosa é uma mera expressão matemática onde se visualiza a nítida separação dos numerais ou se, por outro lado, é antes a soma final, a fusão de duas parcelas numa única realidade.
Expressões como “caras-metades”, “almas gémeas”, ou “somos um só” parecem apontar para uma interpretação integrativa dos indivíduos na relação: o sujeito singular deixa de ser visto como ser unívoco, passando a fazer parte de uma nova entidade, aqui identificada como “casal”.
De outra perspectiva, mais moderna e mais commumente defendida pelos “ólogos” do nosso tempo, podemos ver uma relação amorosa como uma partilha de espaços individuais, partilha essa que nunca compromete a esfera pessoal de cada indivíduo e nunca a ela se sobrepõe.
Assim, a vontade e a liberdade de cada um são entendidas como supremas face a um eventual espaço comum, criado por ambos os indivíduos que compõem o casal.
Existe ainda uma terceira forma de abarcar a questão. Assim, numa relação podem coexistir três espaços distintos: o do indivíduo 1, o do indivíduo 2 e um terceiro que é o espaço comum a ambos e que é resultado da dinâmica relacional entre ambos.
Na verdade, pode argumentar-se que, bastando a vontade de um, a relação amorosa pode terminar a qualquer tempo e que, por isso, a vontade do indivíduo sempre será privilegiada face à esfera do casal.
Porém, isso parece ser tão verdade como o facto de serem precisas as vontades dos dois elementos conjugadas para que a relação se concretize e perpetue no tempo. Parece claro que, nesta perspectiva, uma relação sempre dependerá da vontade centrípeta dos intervenientes, vontade essa que será fundida numa nova esfera comum a ambos os sujeitos.
Da observação que se faz da sociedade, o argumento da primazia da individualidade sobre a relação parece surgir em momentos de ruptura ou colisão de interesses (entre os interesses individuais e os da própria relação). Sendo certo que cada vez mais esses choques ocorrem, certo será também que mais se bradará pelo reconhecimento da vontade e liberdade singulares nas relações afectivas.
Na verdade, cada vez mais as relações são vistas como um meio para atingir um fim: a realização e bem-estar individuais. A relação, por si só, deixa de ser encarada como uma entidade com necessidades e dinâmicas próprias, onde as vontades e liberdades se transformam num modelo novo, adaptando-se a uma terceira realidade com um espírito próprio de práticas, vivências e sentimentos homogéneos.
Mas se pensarmos bem, todas estas teorias, visões sobre o tema estarão correctas.
Primeiro, porque nenhuma relação se inicia sem que as vontades individuais se conjuguem e encontrem num mesmo propósito, numa mesma vontade: a de gerar uma esfera emocional comum a ambos os elementos que irão constituir um novo casal.
Segundo, porque nenhuma relação tem continuidade se ambos os indivíduos não tiverem essa mesma vontade.
Terceiro, porque, mesmo admitindo a existência de uma nova e esfera emocional, que anula ou, no mínimo, se sobrepõe à vontade individual de cada um, essa cedência só ocorre porque, no uso da sua liberdade, ambos os indivíduos se sentiram compelidos, pela sua própria vontade e sentimento, a agir em conformidade com esse desiderato.
Olhando em redor, não parece difícil que isto ocorra numa fase inicial de um envolvimento amoroso. Aliás, parece que a maioria das relações amorosas que assentam a sua base na partilha do amor pleno iniciam assim o seu percurso.
A grande questão será sempre a da continuidade desse sentimento que moveu os sujeitos a despojarem-se de si próprios, ou pelo menos a pensarem que o fizeram.
E esta é a grande questão: será que alguém abdica realmente de si próprio numa relação feliz? Não será mesmo a sua vontade egoísta, a sua procura pela realização individual que o impelirá a dedicar-se totalmente a um projecto a dois?
Muitas vezes a bioquímica parece trair-nos: se é ela a principal responsável pelo surgimento de novos e profundos sentimentos, também é ela que praticamente determina o seu fim.
A própria interacção entre os sujeitos da relação pode alterar a bioquímica individual de cada um, aumentando ou diminuindo a libido, a saudade, a vontade, a projecção onírica e fantasiosa de uma relação.
Expressões como “caras-metades”, “almas gémeas”, ou “somos um só” parecem apontar para uma interpretação integrativa dos indivíduos na relação: o sujeito singular deixa de ser visto como ser unívoco, passando a fazer parte de uma nova entidade, aqui identificada como “casal”.
De outra perspectiva, mais moderna e mais commumente defendida pelos “ólogos” do nosso tempo, podemos ver uma relação amorosa como uma partilha de espaços individuais, partilha essa que nunca compromete a esfera pessoal de cada indivíduo e nunca a ela se sobrepõe.
Assim, a vontade e a liberdade de cada um são entendidas como supremas face a um eventual espaço comum, criado por ambos os indivíduos que compõem o casal.
Existe ainda uma terceira forma de abarcar a questão. Assim, numa relação podem coexistir três espaços distintos: o do indivíduo 1, o do indivíduo 2 e um terceiro que é o espaço comum a ambos e que é resultado da dinâmica relacional entre ambos.
Na verdade, pode argumentar-se que, bastando a vontade de um, a relação amorosa pode terminar a qualquer tempo e que, por isso, a vontade do indivíduo sempre será privilegiada face à esfera do casal.
Porém, isso parece ser tão verdade como o facto de serem precisas as vontades dos dois elementos conjugadas para que a relação se concretize e perpetue no tempo. Parece claro que, nesta perspectiva, uma relação sempre dependerá da vontade centrípeta dos intervenientes, vontade essa que será fundida numa nova esfera comum a ambos os sujeitos.
Da observação que se faz da sociedade, o argumento da primazia da individualidade sobre a relação parece surgir em momentos de ruptura ou colisão de interesses (entre os interesses individuais e os da própria relação). Sendo certo que cada vez mais esses choques ocorrem, certo será também que mais se bradará pelo reconhecimento da vontade e liberdade singulares nas relações afectivas.
Na verdade, cada vez mais as relações são vistas como um meio para atingir um fim: a realização e bem-estar individuais. A relação, por si só, deixa de ser encarada como uma entidade com necessidades e dinâmicas próprias, onde as vontades e liberdades se transformam num modelo novo, adaptando-se a uma terceira realidade com um espírito próprio de práticas, vivências e sentimentos homogéneos.
Mas se pensarmos bem, todas estas teorias, visões sobre o tema estarão correctas.
Primeiro, porque nenhuma relação se inicia sem que as vontades individuais se conjuguem e encontrem num mesmo propósito, numa mesma vontade: a de gerar uma esfera emocional comum a ambos os elementos que irão constituir um novo casal.
Segundo, porque nenhuma relação tem continuidade se ambos os indivíduos não tiverem essa mesma vontade.
Terceiro, porque, mesmo admitindo a existência de uma nova e esfera emocional, que anula ou, no mínimo, se sobrepõe à vontade individual de cada um, essa cedência só ocorre porque, no uso da sua liberdade, ambos os indivíduos se sentiram compelidos, pela sua própria vontade e sentimento, a agir em conformidade com esse desiderato.
Olhando em redor, não parece difícil que isto ocorra numa fase inicial de um envolvimento amoroso. Aliás, parece que a maioria das relações amorosas que assentam a sua base na partilha do amor pleno iniciam assim o seu percurso.
A grande questão será sempre a da continuidade desse sentimento que moveu os sujeitos a despojarem-se de si próprios, ou pelo menos a pensarem que o fizeram.
E esta é a grande questão: será que alguém abdica realmente de si próprio numa relação feliz? Não será mesmo a sua vontade egoísta, a sua procura pela realização individual que o impelirá a dedicar-se totalmente a um projecto a dois?
Muitas vezes a bioquímica parece trair-nos: se é ela a principal responsável pelo surgimento de novos e profundos sentimentos, também é ela que praticamente determina o seu fim.
A própria interacção entre os sujeitos da relação pode alterar a bioquímica individual de cada um, aumentando ou diminuindo a libido, a saudade, a vontade, a projecção onírica e fantasiosa de uma relação.
Mas, em última análise, só se poderá conceber a criação de uma dita "terceira entidade" na relação, relembrando aqui as teorias dos holísticos (o resultado final é mais do que a soma das partes) se pensarmos que ela foi fruto de duas vontades egoístas que se encontraram num mesmo propósito.
Essas vontades são condicionadas grandemente pela bioquímica, como se explicou, e são mantidas, aumentadas ou diminuídas durante a interacção no seio do casal.
O final de uma relação explica-se pela dinâmica do casal, que deixa de ser feita em harmonia e com prazer e também pela alteração bioquímica que sempre ocorrerá em cada ser humano com a passagem do tempo pela relação.
Mas a continuidade dessa mesma relação é talhada pelos mesmos factores que, nesta hipótese, operarão de forma positiva e conciliadora entre os dois indivíduos.
Pessoas acometidas pelo amor pleno experimentarão a necessidade de despojamento de si mesmo e o caminho na relação será o de reconhecer o bem estar emocional do casal, e a provocação de prazer no outro como metas primordiais de vida, fazendo parecer que a esfera individual se anulará em prol destes propósitos.
Na verdade, esta aparente altruísta vontade resulta, claramente, de uma vontade pessoal, de uma condição bio-afectiva do ser humano que o impele a sentir bem-estar e realização emocional na dedicação de si próprio ao outro e à manutenção do seu relacionamento afectivo.
Como dissemos, a tendência é para que essa pulsão seja mais premente no início de um relacionamento e tenda a acalmar com os efeitos do decurso do tempo.
Com efeito, assiste-se a uma tendência de "retorno a si próprio" à medida que a relação avança e amadurece, tornando possível o reaparecimento das necessidades individuais, contrárias ou neutras face à construção e investimento no contexto amoroso com o outro.
Muitas vezes, esse "reacordar" da esfera pessoal, secundarizando o outro e a relação em privilégio do "self", leva à consciência do fracasso sentimental, do fim do amor. E aqui pode acontecer uma de três coisas: conviver pacificamente com uma relação em que um ou ambos sentem apenas uma terna amizade, conviver de forma acomodada com um relacionamento onde os conflitos de interesses individuais é constante, na emergência da morte dos interesses comuns, ou manter uma vida dupla, conseguindo não terminar formalmente a união do casal, mas compensando as vontades individuais a nível sexual e afectivo fora do formalismo da ligação que já não é amorosa.
Vale isto tudo por dizer que é possível ter-se vários modelos matemáticos de relação: modelo 1+1, sem concretizar uma "soma", modelo esse mais frequente nos estágios mais avançados ou terminais de um envolvimento amoroso, onde a partilha e prazer em dar de si ao outro e em estar com o outro terminaram; modelo 2, também este modelo frequente em fases avançadas de relacionamentos e onde ambos se mantêm consentaneamente juntos, felizes na decisão de permanecer num projecto cujos sentimentos se alteraram e já não podem ser qualificados de amor pleno, sendo substituídos por ternura, amizade, companheirismo, fraternidade mas onde a paixão se erradicou ou, a contrario, numa fase inicial onde imperam os sentimentos sexuais, apaixonados mas onde o sentimento sólido de amizade desinteressada ainda não foi construído e onde não podemos sentir outras esfera que não a das vontades egoístas de cada um e; o modelo 1+1=2+x, ou modelo holístico, que encontraremos maioritariamente nas fases iniciais do relacionamento amoroso, mas onde já existe cumplicidade e onde já se reconhecem vontades extra-individuais entre o casal.
É aqui que se acrescenta algo de "maior" à mera união afectiva, sexual e económica de dois seres humanos e onde podemos defender que se crioa uma nova entidade, uma esfera comum aos dois indivíduos que compõem o casal e que é mais do que a simples soma das partes, a mera colagem de ambos. Cria-se uma nova realidade, uma nova célula emocional que é reconhecida pelos outros indivíduos e respeitada como um projecto, como uma união que acaba, consciente ou inconscientemente, por se sobrepor à individualidade de cada membro do casal. Socialmente, este fenómeno é muito visível, dado que as pessoas externas a essa esfera a reconhecem e já não dissociam cada um dos elementos um do outro nem da própria esfera relacional que os une.
Isto só é possível porque o casal exterioriza o amor pleno como que uma aura natural de protecção a agressões externas a essa relação, dando a sensação de imunidade a qualquer factor externo de potencial separação. Cria-se, assim, um ambiente "opaco" onde se torna ténue a divisão entre um e o outro, pois a esfera do envolvimento criado no seio do relacionamento passa a ser mais visível do que os próprios indivíduos, tanto no interior da relação como no exterior.
Os outros modelos relacionais, não assentes no amor pleno têm sido cada vez mais frequentes, dado que temos vindo a assistir a uma adaptação do conceito de "Amor" de acordo com os preconceitos sociais de cada tempo. Talvez o mundo ainda não esteja preparado para banalizar as separações, os divórcios e remeter para o baú as histórias de princípes e princesas que fazem parte do imaginário da infância de todos nós. Talvez tente acreditar que o "Amor" é aquela coisa meio sem graça que tudo aceita e tudo permite e que é compatível com a supremacia das esferas e vontades individuais de cada um, mesmo quando delas não faz parte.
Temo que a desconstrução do "Amor" e a excessiva conceptualização do mesmo tenham dele extraído a magia que lhe é natural. A magia do plano erótico, da paixão sexual, da pulsão animal. Hoje, sempre se tenta fazer parecer que um casamento não tem que assentar num sentimento tão erotizado, que o Amor não se confunde com Sexo, que o Desejo pode ocorrer fora do relacionamento amoroso, que tudo é permitido em nome da perpetuação do formalismo da relação.
Mas o Amor é o Amor. É aquilo que sentimos como resultado da soma de dois indivíduos e que não tem que ser explicado, esticado no tempo, adulterado, desculpado. O Amor carnal, pleno, é, e sempre deverá ser, erótico, mágico, inexplicavelmente exclusivista e leal.
Não casamos com os nossos irmãos, pais ou mães. Essa é outra realidade.
O Amor carnal, pleno, deve ser vivido e não explicado. Mas pode e deve voltar a pensar-se nele. Para que nunca seja esquecido.
terça-feira, 9 de setembro de 2008
A importância de sentir ciúme
O cíume pode ser muitas coisas.
Ele é visto, em geral, como um estado emocional complexo normalmente relacionado com o sofrimento provocado pelo desejo de afecto ou atenção exclusivos de alguém para connosco e o receio de que essa pessoa os dedique a outro(os).
Em muitos aspectos ele correlaciona-se com o conceito de inveja porém a inveja não abarca o medo da perda, medo esse que parece estar sempre associado ao ciúme.
Porém, a perda pode significar um número plural de coisas.
O medo da perda não se manifesta só quando temos receio de perder efectivamente alguém, de sermos "abandonados" ou "trocados" por outra pessoa, pode significar também medo de perder algo desse alguém, ainda que não sintamos medo de perder a nossa posição, o nosso "papel" formal na vida do outro. Pode ser a perda de um afecto, a perda do mesmo nível de atenção que sempre nos foi dedicado.
É possível, assim, sentir-se ciúme não só de uma outra pessoa por quem o ser amado pareça nutrir afectos que queremos apenas para nós, como a atracção, o desejo, a ansiedade em estar com, o interesse intelectual e afectivo, como também de amigos, de eventos onde não participemos ou até do próprio trabalho.
Na verdade, muitos relacionamentos terminam quando um dos elementos do casal compreende que o trabalho absorve grande parte da dedicação e paixão que ele desejaria que o parceiro sentisse por si.
É também muito comum acontecer que uma ligação se extinga quando um dos parceiros se sente sempre preterido em prol dos amigos, família ou eventos nos quais nunca é chamado a participar.
Pórém o ciúme pode ou não estar relacionado com a necessidade de exclusividade no amor.
Muitas pessoas sentem ciúme apenas quando se sentem na iminência de perder o seu papel de "mulher", "marido", "namorado", "namorada" na vida do companheiro. Não sentem qualquer sofrimento se o companheiro se limitar a não lhes dar afecto, atenção, importância, desde que formalmente a relação mantenha os seus traços originais. Não sentem também ciúmes dos amigos, nem do trabalho sendo até possível que suportem grandes períodos de tempo sem o mínimo contacto do outro.
Cremos, contudo, que esse desprendimento, à primeira vista muito saudável, é antes de tudo, um indicador de que se vive numa compromisso aparente, num compromisso meramente formal onde os afectos se encontram soltos e orientados para um fim muito difuso, situação incompatível com o que se entende com "um projecto a dois". Mais poderíamos falar de "dois projectos a dois".
Não parece isto coerente com o sentimento dos apaixonados, que podem até não ter uma relação formal com o objecto de desejo mas que sofrem com todo o afecto e atenção que não lhes é dedicado e é antes canalizado para outras pessoas, actividades ou objectivos.
Pode, no entanto, ser compatível com o mero amor, desapaixonado, o amor de pais/filhos, irmãos, ou a simples amizade.
Naquilo que entendemos como Amor pleno, aquele que tem dentro de si englobado o sentimento de paixão, não nos se afigura possível não sentir ciúme e dificilmente se sentirá ciúme desprovido da necessidade de conseguir a quase exclusividade afectiva.
De todo o modo, o medo da perda parece associado a tudo aquilo que nos é importante. Ainda que a nível inconsciente, o ser humano tende a querer preservar e cuidar aquilo que sente essencial ao seu bem-estar e segurança.
Assim é no trabalho, onde cumpre os horários, se esforça por fazer um bom trabalho para ser reconhecido pelo superior e onde ambiciona ser promovido, assim é com a sua casa, para a qual subscreve seguros multi-risco, faz obras de melhoramento, remodela o seu interior para que ela fique sempre mais confortável e esteticamente mais enriquecida, assim é com o dinheiro, que se tenta aumentar e poupar e muitas vezes investir, e assim será com o objecto de Amor, que se tenta conquistar, dia após dia, agradar, manter na sua vida.
Pelo menos, enquanto o Amor durar e não subsista apenas a habituação e o comodismo.
Não é credível que alguém ame e, ao mesmo tempo, não cuide de preservar o que ama. Não é credível que alguém que ama plenamente outra pessoa a dê por conquistada e não lhe dedique os seus sentimentos, esforços, tempo e atenção, pois isso seria sinal de que a paixão teria terminado.
Com efeito, nos relacionamentos onde existem sentimentos de ciúme ele lembra ao casal que um não deve considerar que o outro está definitivamente conquistado. Pode encorajar casais a apreciarem-se mutuamente e fazerem um esforço consciente para assegurar que o parceiro se sinta valorizado.
O ciúme pode fazer com que a pessoa que o sente se valorize, procure melhorar e trazer até si o parceiro que lhe parece distanciar-se. Pode também relembrá-lo do quão importante é a outra pessoa para si e de que não a pode negligenciar.
Ele é um bom indício da existência de uma de três coisas: amor pleno, paixão ou sentimento de posse.
O ciúme sentido no amor pleno é um ciúme saudável, misturado com compreensão e a confiança de quem tem reciprocidade numa relação ou sentimento. É por isso, um sentimento construtivo que apimenta a vida a dois e mantém a chama acesa, impulsionando os sentimentos e a vontade de renovar os votos que fizeram um ao outro.
O ciúme na paixão, é um ciúme turbulento, intenso e desgastante dado que não existe o contrapeso do sentimento de segurança e cumplicidade que o amor pleno traz à esfera do casal. É todavia de grande potencial erótico e sexual, podendo provocar fantasias e desejos ardentes como projecção do desejo de conquista do outro e como forma do indivíduo ciumento se colocar no papel da pessoa ou situação que lhe provoca a "inveja" e aliviar assim a sua dor.
O ciúme relacionado com sentimento de posse é desprovido de afectos ou desejos desinteressados para com o outro, mais se aproximando de sentimentos de territorialidade, mais perto do que é sentido pelos restantes animais em situações similares, do que pelos seres humanos. Nestas situações, fala mais alto o orgulho do que o sentimento tornando o ciúme perigoso, sujeito às fragilidades e descompensações do ego de cada um.
Os psicólogos e psiquiatras entendem que o ciúme é saudável e resulta como sendo um elemento essencial para que o amor pleno e a paixão prevaleçam.
Ele é, porém, a prova de que amor e o ódio costumam andar ligados, especialmente se a paixão estiver no meio dos dois. É, realmente, possível amar e odiar ao mesmo tempo.
Isso é passível de acontecer também entre irmãos, quando um sente ciúme do outro por ter receio de que os pais gostem mais dele do que de si. No entanto, ele também o ama enquanto irmão, ao mesmo tempo que se sente prejudicado por não ver mais a atenção dos pais direccionada exclusivamente para si.
Muitos vezes sentimos também ciúmes dos nossos amigos, por sentirmos que um amigo se começa a valorizar mais a companhia e amizade de outro amigo, em detrimento das nossas.
O ciúme não deverá, todavia, ser confundido com perda de confiança no outro. Aliás o primeiro pode existir sem que tenha havido quebra de confiança no relacionamento.
A quebra de confiança no relacionamento é a quebra do próprio relacionamento em si, dado que, como já expusemos anteriormente, uma relação a dois depende mais da confiança, como acto de fé, do que do próprio amor.
Na quebra de confiança pode haver sentimentos de traição, de engano, de desrespeito, de desilusão, de grande defensividade e de questionamento sobre a viabilidade de continuar uma relação que se revelou não ser o que parecia. Pode haver medo de reincidência por parte do traidor, que tanto pode ter traído uma mera expectativa que criou como uma séria promessa de exclusividade sexual.
Claro que sempre poderá haver ciúme pois a pessoa pode sentir juntamente com a quebra de confiança, sentimento de posse, paixão ou amor pleno, mas uma e outra coisa não se poderão confundir.
Um parceiro que perdeu a confiança no outro, vê a sua fé no relacionamento abalada e esse sentimento pode ser reversível ou não, dependendo de como aquele que perdeu a confiança encara o futuro da relação e olha para o parceiro que o atraiçoou. Dependerá também de toda a batalha ou abandono que aquele que falhou levar a cabo para reconquistar a confiança ou simplesmente deixá-la cair totalmente, até à impossibilidade de qualquer recuperação.
No ciúme, raramente o sentimento negativo é irreversível, dando normalmente lugar a uma ampliação da paixão e a um reasseguramento do elo de ligação do casal.
Aliás, é comum provocar ciúmes no parceiro como forma de reassegurar para nós próprios que o outro ainda nos atribui importância e ainda nos quer conquistar. É também comum o sentimento de frustração quando sentimos que o parceiro não sente ciúme face a nós, como se isso se traduzisse numa evidência de que já não somos importantes para ele ou que já não provocamos algum "abanão" na outra pessoa. É da condição humana procurarmos reassegurar a certeza de que tudo continua no seu "devido lugar" e não deverá haver nenhum sentimento de culpa ou vergonha face a essa necessidade. É apenas sinal de que nos importamos e atribuímos importância ao que nos é caro.
A excepção a isto é, talvez, o ciúme sentido por mero sentimento de posse, onde é o orgulho pessoal que comanda as operações. Uma vez reassegurado o ego do ciumento, o ciúme desaparece não trazendo nada de positivo ou intensificador à relação, dado que o ciúme se revestiu de um carácter pessoal e existiu independentemente da identidade dos envolvidos e dos sentimentos nutridos pelo outro.
Mas quando é motivado por paixão ou Amor pleno, o ciúme acaba por funcionar como aquela pitadinha de sal e pimenta num prato, já de si, delicioso e não como o espinho na perfumada rosa vermelha.
Ele é visto, em geral, como um estado emocional complexo normalmente relacionado com o sofrimento provocado pelo desejo de afecto ou atenção exclusivos de alguém para connosco e o receio de que essa pessoa os dedique a outro(os).
Em muitos aspectos ele correlaciona-se com o conceito de inveja porém a inveja não abarca o medo da perda, medo esse que parece estar sempre associado ao ciúme.
Porém, a perda pode significar um número plural de coisas.
O medo da perda não se manifesta só quando temos receio de perder efectivamente alguém, de sermos "abandonados" ou "trocados" por outra pessoa, pode significar também medo de perder algo desse alguém, ainda que não sintamos medo de perder a nossa posição, o nosso "papel" formal na vida do outro. Pode ser a perda de um afecto, a perda do mesmo nível de atenção que sempre nos foi dedicado.
É possível, assim, sentir-se ciúme não só de uma outra pessoa por quem o ser amado pareça nutrir afectos que queremos apenas para nós, como a atracção, o desejo, a ansiedade em estar com, o interesse intelectual e afectivo, como também de amigos, de eventos onde não participemos ou até do próprio trabalho.
Na verdade, muitos relacionamentos terminam quando um dos elementos do casal compreende que o trabalho absorve grande parte da dedicação e paixão que ele desejaria que o parceiro sentisse por si.
É também muito comum acontecer que uma ligação se extinga quando um dos parceiros se sente sempre preterido em prol dos amigos, família ou eventos nos quais nunca é chamado a participar.
Pórém o ciúme pode ou não estar relacionado com a necessidade de exclusividade no amor.
Muitas pessoas sentem ciúme apenas quando se sentem na iminência de perder o seu papel de "mulher", "marido", "namorado", "namorada" na vida do companheiro. Não sentem qualquer sofrimento se o companheiro se limitar a não lhes dar afecto, atenção, importância, desde que formalmente a relação mantenha os seus traços originais. Não sentem também ciúmes dos amigos, nem do trabalho sendo até possível que suportem grandes períodos de tempo sem o mínimo contacto do outro.
Cremos, contudo, que esse desprendimento, à primeira vista muito saudável, é antes de tudo, um indicador de que se vive numa compromisso aparente, num compromisso meramente formal onde os afectos se encontram soltos e orientados para um fim muito difuso, situação incompatível com o que se entende com "um projecto a dois". Mais poderíamos falar de "dois projectos a dois".
Não parece isto coerente com o sentimento dos apaixonados, que podem até não ter uma relação formal com o objecto de desejo mas que sofrem com todo o afecto e atenção que não lhes é dedicado e é antes canalizado para outras pessoas, actividades ou objectivos.
Pode, no entanto, ser compatível com o mero amor, desapaixonado, o amor de pais/filhos, irmãos, ou a simples amizade.
Naquilo que entendemos como Amor pleno, aquele que tem dentro de si englobado o sentimento de paixão, não nos se afigura possível não sentir ciúme e dificilmente se sentirá ciúme desprovido da necessidade de conseguir a quase exclusividade afectiva.
De todo o modo, o medo da perda parece associado a tudo aquilo que nos é importante. Ainda que a nível inconsciente, o ser humano tende a querer preservar e cuidar aquilo que sente essencial ao seu bem-estar e segurança.
Assim é no trabalho, onde cumpre os horários, se esforça por fazer um bom trabalho para ser reconhecido pelo superior e onde ambiciona ser promovido, assim é com a sua casa, para a qual subscreve seguros multi-risco, faz obras de melhoramento, remodela o seu interior para que ela fique sempre mais confortável e esteticamente mais enriquecida, assim é com o dinheiro, que se tenta aumentar e poupar e muitas vezes investir, e assim será com o objecto de Amor, que se tenta conquistar, dia após dia, agradar, manter na sua vida.
Pelo menos, enquanto o Amor durar e não subsista apenas a habituação e o comodismo.
Não é credível que alguém ame e, ao mesmo tempo, não cuide de preservar o que ama. Não é credível que alguém que ama plenamente outra pessoa a dê por conquistada e não lhe dedique os seus sentimentos, esforços, tempo e atenção, pois isso seria sinal de que a paixão teria terminado.
Com efeito, nos relacionamentos onde existem sentimentos de ciúme ele lembra ao casal que um não deve considerar que o outro está definitivamente conquistado. Pode encorajar casais a apreciarem-se mutuamente e fazerem um esforço consciente para assegurar que o parceiro se sinta valorizado.
O ciúme pode fazer com que a pessoa que o sente se valorize, procure melhorar e trazer até si o parceiro que lhe parece distanciar-se. Pode também relembrá-lo do quão importante é a outra pessoa para si e de que não a pode negligenciar.
Ele é um bom indício da existência de uma de três coisas: amor pleno, paixão ou sentimento de posse.
O ciúme sentido no amor pleno é um ciúme saudável, misturado com compreensão e a confiança de quem tem reciprocidade numa relação ou sentimento. É por isso, um sentimento construtivo que apimenta a vida a dois e mantém a chama acesa, impulsionando os sentimentos e a vontade de renovar os votos que fizeram um ao outro.
O ciúme na paixão, é um ciúme turbulento, intenso e desgastante dado que não existe o contrapeso do sentimento de segurança e cumplicidade que o amor pleno traz à esfera do casal. É todavia de grande potencial erótico e sexual, podendo provocar fantasias e desejos ardentes como projecção do desejo de conquista do outro e como forma do indivíduo ciumento se colocar no papel da pessoa ou situação que lhe provoca a "inveja" e aliviar assim a sua dor.
O ciúme relacionado com sentimento de posse é desprovido de afectos ou desejos desinteressados para com o outro, mais se aproximando de sentimentos de territorialidade, mais perto do que é sentido pelos restantes animais em situações similares, do que pelos seres humanos. Nestas situações, fala mais alto o orgulho do que o sentimento tornando o ciúme perigoso, sujeito às fragilidades e descompensações do ego de cada um.
Os psicólogos e psiquiatras entendem que o ciúme é saudável e resulta como sendo um elemento essencial para que o amor pleno e a paixão prevaleçam.
Ele é, porém, a prova de que amor e o ódio costumam andar ligados, especialmente se a paixão estiver no meio dos dois. É, realmente, possível amar e odiar ao mesmo tempo.
Isso é passível de acontecer também entre irmãos, quando um sente ciúme do outro por ter receio de que os pais gostem mais dele do que de si. No entanto, ele também o ama enquanto irmão, ao mesmo tempo que se sente prejudicado por não ver mais a atenção dos pais direccionada exclusivamente para si.
Muitos vezes sentimos também ciúmes dos nossos amigos, por sentirmos que um amigo se começa a valorizar mais a companhia e amizade de outro amigo, em detrimento das nossas.
O ciúme não deverá, todavia, ser confundido com perda de confiança no outro. Aliás o primeiro pode existir sem que tenha havido quebra de confiança no relacionamento.
A quebra de confiança no relacionamento é a quebra do próprio relacionamento em si, dado que, como já expusemos anteriormente, uma relação a dois depende mais da confiança, como acto de fé, do que do próprio amor.
Na quebra de confiança pode haver sentimentos de traição, de engano, de desrespeito, de desilusão, de grande defensividade e de questionamento sobre a viabilidade de continuar uma relação que se revelou não ser o que parecia. Pode haver medo de reincidência por parte do traidor, que tanto pode ter traído uma mera expectativa que criou como uma séria promessa de exclusividade sexual.
Claro que sempre poderá haver ciúme pois a pessoa pode sentir juntamente com a quebra de confiança, sentimento de posse, paixão ou amor pleno, mas uma e outra coisa não se poderão confundir.
Um parceiro que perdeu a confiança no outro, vê a sua fé no relacionamento abalada e esse sentimento pode ser reversível ou não, dependendo de como aquele que perdeu a confiança encara o futuro da relação e olha para o parceiro que o atraiçoou. Dependerá também de toda a batalha ou abandono que aquele que falhou levar a cabo para reconquistar a confiança ou simplesmente deixá-la cair totalmente, até à impossibilidade de qualquer recuperação.
No ciúme, raramente o sentimento negativo é irreversível, dando normalmente lugar a uma ampliação da paixão e a um reasseguramento do elo de ligação do casal.
Aliás, é comum provocar ciúmes no parceiro como forma de reassegurar para nós próprios que o outro ainda nos atribui importância e ainda nos quer conquistar. É também comum o sentimento de frustração quando sentimos que o parceiro não sente ciúme face a nós, como se isso se traduzisse numa evidência de que já não somos importantes para ele ou que já não provocamos algum "abanão" na outra pessoa. É da condição humana procurarmos reassegurar a certeza de que tudo continua no seu "devido lugar" e não deverá haver nenhum sentimento de culpa ou vergonha face a essa necessidade. É apenas sinal de que nos importamos e atribuímos importância ao que nos é caro.
A excepção a isto é, talvez, o ciúme sentido por mero sentimento de posse, onde é o orgulho pessoal que comanda as operações. Uma vez reassegurado o ego do ciumento, o ciúme desaparece não trazendo nada de positivo ou intensificador à relação, dado que o ciúme se revestiu de um carácter pessoal e existiu independentemente da identidade dos envolvidos e dos sentimentos nutridos pelo outro.
Mas quando é motivado por paixão ou Amor pleno, o ciúme acaba por funcionar como aquela pitadinha de sal e pimenta num prato, já de si, delicioso e não como o espinho na perfumada rosa vermelha.
segunda-feira, 8 de setembro de 2008
O prazer da responsabilidade de cuidar
As palavras "prazer" e "responsabilidade", quando lidas em conjunto, podem sempre provocar estranheza. Associar uma a outra não parece ser uma missão pacífica, fácil, imediata.
Não raro, tendemos a dissociar uma de outra, sentindo que as nossas responsabilidades mais se aproximam dos nossos deveres, das obrigações e que os prazeres se relacionam com sensações de libertação, e de egoísmo sem culpa.
É talvez verdade que assim seja.
A emoção "prazer" é consensualmente definida e entendida como a sensação derivada do bem-estar, que não parece compatibilizar-se com o sentimento de "obrigatoriedade" e "imposição". Mesmo quando "obrigatoriedade" e "imposição" são um prazer, são-no porque o sujeito decide ou experimenta, por si, que o sejam e não porque se lhe incutem. Neste caso, seria uma obrigação e um desprazer obrigá-lo a ser livre e a criar as suas próprias decisões.
De todo o modo, é importante ter em conta que os seres humanos experimentam bem-estar de forma diversa entre si, logo sentindo prazer de maneiras muito diferentes, advindo de vivências e acções muito variadas.
Os indivíduos não sofrem todos com as mesmas coisas e não sentem todos alegria nas mesmas situações.
Em bom entendimento, parece importante nunca afastar de qualquer análise, ensaio, estudo sobre o comportamento humano o elemento "diversidade". "Nem sempre nem nunca" parece ser uma expressão popular muito apropriada para aplicarmos a quaisquer considerações sobre a condição humana.
O Amor surge como um plano das nossas emoções onde o âmbito do "prazer" se amplia de tal forma que, ao pensá-lo, ficamos com a convicção de que a palavra parece não chegar para o seu total significado.
Alterações de sentimento ao longo da vida à parte, com perda ou diminuição do Amor e da Paixão, parece porém, ser comum a todo o indivíduo enamorado a necessidade de cuidar do seu parceiro.
Na verdade, se a Paixão ainda estiver associada ao chamado vulgarmente "Amor" (o tal sentimento mais brando, feito de ternura e compreensão e que aqui entendemos apenas como parte do Amor pleno, usando o adjectivo "pleno" por mera necessidade social de nos fazermos entender na nossa concepção), se essa associação de sentimentos estiver presente, falamos ainda duma necessidade de que o parceiro queira que sejamos nós, em particular, a cuidar dele. Portanto, não só da necessidade de cuidar, como da necessidade de ser desejado nesse acto de cuidar.
E é aqui que parece que tudo se baralha. Ou se elucida: o prazer parece derivar do egoísmo, no sentido em que é provocado por alguma situação que nos transmite pessoalmente bem-estar, sem limitações que poluiríam essa sensação.
E aqui, ser-nos confiada a responsabilidade de cuidar do outro surge, surpreendentemente, como fonte de prazer e satisfação pessoal. Em bom rigor, cuidar do outro quando estamos apaixonados nada tem de "nobre" ou altruista. Como se demonstra, a necessidade de nos tornarmos importantes e até mesmo indispensáveis ao parceiro deriva dos sentimentos próprios dos apaixonados, da compulsão pela conquista do outro e da urgência em tornarmo-nos imprescindíveis ao objecto de desejo.
Isso parece justificar que as pessoas apaixonadas sintam muitas vezes desconforto quando se apercebem que o objecto da sua paixão experimenta prazer em situações onde os parceiros não estão, ou se sinta bem quando outras pessoas, (mesmo que sejam amigos ou família) cuidem também de si.
A paixão parece não compreender nem aceitar que o objecto da sua paixão viva sem si, experimente prazer sem si, uma vez que para os apaixonados, a primordial fonte de prazer é o parceiro e não se contenta sem reciprocidade.
Diferente parece ser em casos em que a Paixão desaparece ou não existe, mantendo-se o outro sentimento que, muitos que os separam, chamam de Amor.
Se olharmos em nosso redor, deparamos com muitos casais, em que um cuida do outro apenas pelo prazer de cuidar e não pela necessidade de ser reconhecido enquanto elemento essencial à criação de bem-estar na outra pessoa.
Já nos casos em que não há paixão, o parceiro parece lidar muito melhor com a introdução ou permanência de outras fontes de cuidado ao parceiro, como amigos, família e experiências a só.
Para isso acontecer, parece indispensável que a paixão não seja "metida ao barulho" uma vez que nela dificilmente caberão sentimentos altruístas e desinteressados.
Parece-nos possível, porém, que alguém que sinta o Amor pleno, o tal sentimento preenchido com paixão e outro sentimento mais plácido e enternecido, sinta prazer tanto no simples cuidado do parceiro como em sentir-se indispensável ao parceiro nos cuidados que lhe dedica.
No final, tudo dependerá, também e inevitavelmente, da resposta e reciprocidade que o objecto amado der no seio da relação.
Parece-nos, todavia, preocupante, do ponto de vista da saúde emocional do ser humano, que a necessidade de cuidar de alguém que não cuida nem quer cuidar de nós resulte, ainda assim, numa experimentação de prazer para o indivíduo. Temos a opinião que nenhuma relação de amor a dois, entendida aqui como ligação recíproca numa conexão de indivíduos, é desejável que um elemento se especialize em dar e o outro se especialize em receber. Mas também aqui, cabe dizer que é o próprio casal que decide qual a sua dinâmica, mantendo ou não práticas saudáveis nesse relacionamento. Em bom rigor, a baliza do "saudável" define-se pela felicidade dos indivíduos. Se ambos estão felizes, provavelmente a relação, mesmo que não assente na reciprocidade de trocas e afectos e enquanto nenhum dos elementos se ressentir com isso, será "saudável". A questão é que parece que raramente um casal permanece muito tempo feliz com uma dinâmica unilateral. Mais cedo ou mais tarde, a experiência parece apontar para um estado de falência do parceiro que "dá".
Nesses casos, parece-nos decorrer, logicamente, do que fica dito que, provavelmente, não haverá nem paixão por um lado, nem tudo o resto, por outro, para retribuir à pessoa que parece amar ou viver a sua paixão sozinha.
O sentimento de Amor, mesmo que pensemos no amor familiar ou na simples amizade, sempre implicará um prazer em e uma necessidade de cuidar do outro.
O Amor é um sentimento tão forte e tão próprio, ao ponto de ser talvez a nossa única emoção capaz de tornar a responsabilidade um prazer que não nos faremos rogados em buscar. Seja ele Amor por alguém, por uma causa ou por uma profissão.
Se não se retira prazer do cuidado do outro, e já nem falamos do prazer que se retira em nos sentirmos indispensáveis ao bem-estar do parceiro (e de preferência em quase total exclusividade), dado que isso já associámos ao egoísmo do sentimento de Paixão, resulta evidentente que não poderemos dar como verdadeiro que nós, não sentindo nenhum impulso de cuidado para com o outro, ou não nos sentindo responsáveis por ele, nos encontremos enamorados.
A necessidade de nutrir e cuidar aquilo que nos é caro e as pessoas que nos são importantes não surge passível de ser excluído do Amor.
Se a necessidade de corresponder à pessoa objecto do nosso desejo, de lhe bastar, de cuidar e de nos tornarmos indispensáveis à sua felicidade tiver morrido, certamente que teremos também o óbito da Paixão.
Quando o nosso prazer começa a ser buscado fora do Amor, em experiências que se tornam mais ricas sem a presença do parceiro e recomeçamos a sentir maior bem-estar na ausência do outro, o esquecemos, o remetemos para um segundo plano, perdemos a urgência em chegar-lhe, ou sentimos o peso da responsabilidade de cuidar ou se, quando o fazemos, já não retiramos nenhum prazer, teremos um fiel indicador de que o Amor, certamente, terá terminado. Poderá, contudo, sobreviver uma grande amizade, sentimento compatível com um certo desprendimento, com um abertura a outras pessoas e experiências e onde a necessidade do outro não é permanentemente sentida.
Mas mais uma vez reitera-se a ideia: Casamento e Amor não são uma e a mesma coisa. Um pode existir sem o outro, tudo dependendo do que se acorda no seio da relação e do que cada pessoa espera e tolera num relacionamento. O contrário também é certo, também poderá haver Amor sem casamento ou compromisso. Até porque o Amor não é escriturável.
Não raro, tendemos a dissociar uma de outra, sentindo que as nossas responsabilidades mais se aproximam dos nossos deveres, das obrigações e que os prazeres se relacionam com sensações de libertação, e de egoísmo sem culpa.
É talvez verdade que assim seja.
A emoção "prazer" é consensualmente definida e entendida como a sensação derivada do bem-estar, que não parece compatibilizar-se com o sentimento de "obrigatoriedade" e "imposição". Mesmo quando "obrigatoriedade" e "imposição" são um prazer, são-no porque o sujeito decide ou experimenta, por si, que o sejam e não porque se lhe incutem. Neste caso, seria uma obrigação e um desprazer obrigá-lo a ser livre e a criar as suas próprias decisões.
De todo o modo, é importante ter em conta que os seres humanos experimentam bem-estar de forma diversa entre si, logo sentindo prazer de maneiras muito diferentes, advindo de vivências e acções muito variadas.
Os indivíduos não sofrem todos com as mesmas coisas e não sentem todos alegria nas mesmas situações.
Em bom entendimento, parece importante nunca afastar de qualquer análise, ensaio, estudo sobre o comportamento humano o elemento "diversidade". "Nem sempre nem nunca" parece ser uma expressão popular muito apropriada para aplicarmos a quaisquer considerações sobre a condição humana.
O Amor surge como um plano das nossas emoções onde o âmbito do "prazer" se amplia de tal forma que, ao pensá-lo, ficamos com a convicção de que a palavra parece não chegar para o seu total significado.
Alterações de sentimento ao longo da vida à parte, com perda ou diminuição do Amor e da Paixão, parece porém, ser comum a todo o indivíduo enamorado a necessidade de cuidar do seu parceiro.
Na verdade, se a Paixão ainda estiver associada ao chamado vulgarmente "Amor" (o tal sentimento mais brando, feito de ternura e compreensão e que aqui entendemos apenas como parte do Amor pleno, usando o adjectivo "pleno" por mera necessidade social de nos fazermos entender na nossa concepção), se essa associação de sentimentos estiver presente, falamos ainda duma necessidade de que o parceiro queira que sejamos nós, em particular, a cuidar dele. Portanto, não só da necessidade de cuidar, como da necessidade de ser desejado nesse acto de cuidar.
E é aqui que parece que tudo se baralha. Ou se elucida: o prazer parece derivar do egoísmo, no sentido em que é provocado por alguma situação que nos transmite pessoalmente bem-estar, sem limitações que poluiríam essa sensação.
E aqui, ser-nos confiada a responsabilidade de cuidar do outro surge, surpreendentemente, como fonte de prazer e satisfação pessoal. Em bom rigor, cuidar do outro quando estamos apaixonados nada tem de "nobre" ou altruista. Como se demonstra, a necessidade de nos tornarmos importantes e até mesmo indispensáveis ao parceiro deriva dos sentimentos próprios dos apaixonados, da compulsão pela conquista do outro e da urgência em tornarmo-nos imprescindíveis ao objecto de desejo.
Isso parece justificar que as pessoas apaixonadas sintam muitas vezes desconforto quando se apercebem que o objecto da sua paixão experimenta prazer em situações onde os parceiros não estão, ou se sinta bem quando outras pessoas, (mesmo que sejam amigos ou família) cuidem também de si.
A paixão parece não compreender nem aceitar que o objecto da sua paixão viva sem si, experimente prazer sem si, uma vez que para os apaixonados, a primordial fonte de prazer é o parceiro e não se contenta sem reciprocidade.
Diferente parece ser em casos em que a Paixão desaparece ou não existe, mantendo-se o outro sentimento que, muitos que os separam, chamam de Amor.
Se olharmos em nosso redor, deparamos com muitos casais, em que um cuida do outro apenas pelo prazer de cuidar e não pela necessidade de ser reconhecido enquanto elemento essencial à criação de bem-estar na outra pessoa.
Já nos casos em que não há paixão, o parceiro parece lidar muito melhor com a introdução ou permanência de outras fontes de cuidado ao parceiro, como amigos, família e experiências a só.
Para isso acontecer, parece indispensável que a paixão não seja "metida ao barulho" uma vez que nela dificilmente caberão sentimentos altruístas e desinteressados.
Parece-nos possível, porém, que alguém que sinta o Amor pleno, o tal sentimento preenchido com paixão e outro sentimento mais plácido e enternecido, sinta prazer tanto no simples cuidado do parceiro como em sentir-se indispensável ao parceiro nos cuidados que lhe dedica.
No final, tudo dependerá, também e inevitavelmente, da resposta e reciprocidade que o objecto amado der no seio da relação.
Parece-nos, todavia, preocupante, do ponto de vista da saúde emocional do ser humano, que a necessidade de cuidar de alguém que não cuida nem quer cuidar de nós resulte, ainda assim, numa experimentação de prazer para o indivíduo. Temos a opinião que nenhuma relação de amor a dois, entendida aqui como ligação recíproca numa conexão de indivíduos, é desejável que um elemento se especialize em dar e o outro se especialize em receber. Mas também aqui, cabe dizer que é o próprio casal que decide qual a sua dinâmica, mantendo ou não práticas saudáveis nesse relacionamento. Em bom rigor, a baliza do "saudável" define-se pela felicidade dos indivíduos. Se ambos estão felizes, provavelmente a relação, mesmo que não assente na reciprocidade de trocas e afectos e enquanto nenhum dos elementos se ressentir com isso, será "saudável". A questão é que parece que raramente um casal permanece muito tempo feliz com uma dinâmica unilateral. Mais cedo ou mais tarde, a experiência parece apontar para um estado de falência do parceiro que "dá".
Nesses casos, parece-nos decorrer, logicamente, do que fica dito que, provavelmente, não haverá nem paixão por um lado, nem tudo o resto, por outro, para retribuir à pessoa que parece amar ou viver a sua paixão sozinha.
O sentimento de Amor, mesmo que pensemos no amor familiar ou na simples amizade, sempre implicará um prazer em e uma necessidade de cuidar do outro.
O Amor é um sentimento tão forte e tão próprio, ao ponto de ser talvez a nossa única emoção capaz de tornar a responsabilidade um prazer que não nos faremos rogados em buscar. Seja ele Amor por alguém, por uma causa ou por uma profissão.
Se não se retira prazer do cuidado do outro, e já nem falamos do prazer que se retira em nos sentirmos indispensáveis ao bem-estar do parceiro (e de preferência em quase total exclusividade), dado que isso já associámos ao egoísmo do sentimento de Paixão, resulta evidentente que não poderemos dar como verdadeiro que nós, não sentindo nenhum impulso de cuidado para com o outro, ou não nos sentindo responsáveis por ele, nos encontremos enamorados.
A necessidade de nutrir e cuidar aquilo que nos é caro e as pessoas que nos são importantes não surge passível de ser excluído do Amor.
Se a necessidade de corresponder à pessoa objecto do nosso desejo, de lhe bastar, de cuidar e de nos tornarmos indispensáveis à sua felicidade tiver morrido, certamente que teremos também o óbito da Paixão.
Quando o nosso prazer começa a ser buscado fora do Amor, em experiências que se tornam mais ricas sem a presença do parceiro e recomeçamos a sentir maior bem-estar na ausência do outro, o esquecemos, o remetemos para um segundo plano, perdemos a urgência em chegar-lhe, ou sentimos o peso da responsabilidade de cuidar ou se, quando o fazemos, já não retiramos nenhum prazer, teremos um fiel indicador de que o Amor, certamente, terá terminado. Poderá, contudo, sobreviver uma grande amizade, sentimento compatível com um certo desprendimento, com um abertura a outras pessoas e experiências e onde a necessidade do outro não é permanentemente sentida.
Mas mais uma vez reitera-se a ideia: Casamento e Amor não são uma e a mesma coisa. Um pode existir sem o outro, tudo dependendo do que se acorda no seio da relação e do que cada pessoa espera e tolera num relacionamento. O contrário também é certo, também poderá haver Amor sem casamento ou compromisso. Até porque o Amor não é escriturável.
quinta-feira, 4 de setembro de 2008
Uma liberdade mitigada
A liberdade é uma condição indissociável da natureza humana. Liberdade em várias vertentes, a liberdade física (liberdade de movimentos), a liberdade de pensamento, a liberdade de opinião, a liberdade, a liberdade, a liberdade.
O ser humano nasceu condenado à liberdade, à agonia de passar o percurso inteiro da sua vida a fazer escolhas e a formar opiniões.
A sua liberdade é coartada pela apenas pela autoridade e quando ofende a liberdade dos outros, quando colide com o campo de liberdade de outra pessoa, ou quando ofende o bem-estar social, onde a censura pode não ser policial ou autoritária, mas pode levar a outras formas de ostracismo, como a exclusão social ou solidão.
Porém, homens e mulheres nasceram reféns da sua própria condição biológica, genética, fisiológica. Não podemos abandonar o próprio corpo, não podemos ignorar os seus sinais: a dor, o sono, a fome, o cansaço. Podemos optar por suportar a dor, resistir ao sono, tomando um café, enganar o estômago, enchendo-o de água ou tomar vitaminas para melhorar a vitalidade e sentirmos maior grau de energia, mas não podemos escolher não os sentir.
E o amor? Podemos não sentir os sinais do amor? Podemos senti-los e ignorá-los?
O amor é também ele, e perdoem-me os idealistas romantizados, um fenómeno bioquímico. Com efeito, a paixão surge quando nos deparamos com alguém por quem nutrimos um sentimento tão forte que o nosso equilíbrio bioquímico é alterado, tornando a nossa vida focada no outro, de forma quase cega ou obsessiva.
Aliás, muitos cientistas descrevem a paixão como um estado patológico e meramente inicial do amor. É tudo culpa de estimulantes naturais como a dopamina e a noradrenalina, produzidas em quantidades maiores que o usual quando se está apaixonado.
A grande questão, que não podemos descurar, é que estas alterações bioquímicas existem sempre e só se houver uma predisposição ou uma abertura para as sentir. Traumas, defesas, medos, um amor ou mera paixão já existentes podem, de facto, impedir que o nosso corpo reaja ao exterior por forma a sentir desejo ou paixão por outra pessoa.
Resta então saber se é uma opção nossa, tomada na nossa liberdade, (estarmos abertos ao amor), ou se não decidimos isso por nós, se é a nossa vivência que condiciona a nossa própria liberdade.
Parece possível admitir que pode dar-se o caso de quereremos ser livres para amar e algo nos aprisiona. É isso também, em última análise, uma opção, ("O meu organismo pode amar, mas opto por não o fazer pois não posso ou tenho medo"), ou um condicionalismo que nos ultrapassa ("Não sei porque não consigo sentir amor e esforço-me para o sentir").
A resposta correcta é que "depende".
É certo que muitas vezes optamos por um caminho, conscientes de que poderíamos seguir pelo outro. Também é certo que muitas vezes não conseguimos simplesmente desviar-nos do caminho que já não queremos convictamente prosseguir. Os fenómenos do inconsciente são os mais difíceis de compreender e domar, mas acompanham-nos diariamente, a cada instante. Dependendo do que temos guardado dentro de nós, e de quão bem guardado isso esteja, mais simples ou complexo será "sermos livres", de nós próprios e para nós próprios.
Dificuldades à parte, apaixonamo-nos, por opção, por estarmos abertos, por querermos. Dificuldades de lado, deixamos que a interacção entre a nossa mente e corpo e a outra pessoa, ou a projecção que fazemos dela, altere o nosso modo de funcionamento físico habitual.
Contudo, é outra hormona, a oxitocina a causa para a existência da satisfação sexual com uma só pessoa. A capacidade de prolongar as relações amorosas dependente dessa hormona. Ela permite modificar milhões de circuitos no cérebro e, assim, influenciar a percepção de cada indivíduo face ao real. Pessoas que produzem menor quantidade de oxitocina têm maior dificuldade em permanecer muito tempo apaixonadas. Liderada por essas moléculas, a química sexual dura em média dois anos. Esse é o tempo que os entendidos atribuem à paixão. O amor surge então quando a oxitocina substitui as neutrofinas. Nessa altura, o desejo intenso, típico de um apaixonado dá lugar a uma forma mais enternecida de amar. Mas, os psicólogos também afirmam que a bioquímica não faz tudo sozinha. Manter a relação depende também da razão, compreensão, habilidade e até do contexto histórico. Estas advertências foram feitas também relativamente a um estudo feito muito recentemente sobre a sexualidade masculina, levado a cabo na Suécia. Parece que a existência do alelo 334 nos seres humanos de sexo masculino, especialmente se possuem uma ou duas cópias desta variação especifica no gene, têm o dobro das hipóteses de experimentar problemas com relações monogâmicas e em manter-se interessados numa só parceira. Estudos anteriores feito com mulheres gémeas também revelaram que nas mulheres podem ser mais ou menos infiéis de acordo com a sua genética, embora nada se relacione com o alelo 334, que não é aplicável ao sexo feminino.
Posto isto, algumas reflexões se impõem: somos realmente livres para amar? amamos desprendidos de todas as "prisões" educacionais, culturais, sociais, familiares que consciente ou inconscientemente nos acorrentam? Optamos por amar ou não amar uma pessoa, ou o próprio curso da nossa vida, das nossas experiências leva-nos a procurar alguém ou a afastar alguém do nosso caminho, sendo que o resultado, se a nossa vida tivesse sido outra, seria diferente? Somos condicionados pelo nosso corpo, pela sua bioquímica, ou activos condicionantes deles?
Parece-me inevitável concluir que a nossa liberdade nestas matérias é meramente conceptual. A liberdade é uma responsabilidade quase incomportável e acarreta a aceitação das consequências das nossas escolhas, escolhas essas que fazemos, porque somos livres. Ninguém vive isolado das suas sombras, das suas memórias, dos seus medos e experiências. Todas as condicionantes das nossas escolhas, são as nossas prisões.
Numa relação, casamento ou outro tipo de ligação, também lidamos quotidianamente com o peso da liberdade.
O ideal seria escolhermos livremente casar. Mas será que o fazemos? Muitas pessoas, especialmente mulheres, casaram e casam como motivo aceitável para as suas famílias originárias permitirem emocionalmente que saiam de casa, muitos casais unem-se porque mantiveram relações sexuais donde resultou uma gravidez, muitos homens casam para terem sexo regular e estável nas suas vidas e, muitas vezes, por gratidão.
Tudo bem: é certo que será sempre uma opção "não casar". Mas será que controlamos tanto assim as nossas prisões? Para se decidir em liberdade, é preciso que essa decisão esteja isenta de pressões ou constrangimentos de qualquer tipo. Esse elemento integra o conceito comum de liberdade.
Se formos minuciosos no pensamento, somos forçados a perceber que a nossa liberdade não acaba apenas onde começa a do outro, acaba antes disso, onde as nossas prisões e barreiras começarem.
Manter-se num casamento atravessa o mesmo rio de dificuldades. O Amor pode acabar, A paixão inicial pode terminar sem que reste nada mais, ao invés de se transmutar e durar uma vida inteira e ainda assim a pessoa pode decidir manter-se casada.
Mais uma vez verificamos que o casamento pouco tem a ver com o Amor. Até porque sabemos que há muitos casamentos , sólidos, onde as pessoas já se apaixonaram, pensaram, fantasiaram, amaram outras pessoas sem que, contudo, tivessem escolhido "abandonar o barco".
E muitas dessas ocorrências contaram, quando existe uma relação de confiança com o parceiro, com a concordância e compreensão amiga deste. É o casal que decide, de acordo com as suas sombras pessoais, vivências e desejos, quais a prisões que prevalecem e determinam as suas escolhas. A confiança entre os parceiros, terá sido, porém respeitada.
Muitas pessoas viveram essas ocorrências em segredo, sem as manifestar no casamento. Talvez por não se sentirem realmente livres para as terem vivido, talvez porque o medo de que as suas opções tenham afectado a liberdade do outro a ponto de o magoar e desrespeitar levassem à perda duma relação que lhees trazem alguma tranquilidade, como que se de um fio de prumo se tratasse e equilibrasse toda uma vida. Aí poderemos dizer que houve uma verdadeira infidelidade, pois quebrou-se o laço de confiança e verdade em que deve assentar o casamento.
Há aqueles que defendem que são livres de pensar, de desejar outras pessoas, de fantasiar, flirtar, seduzir, embora não se sintam livres para concretizar fisicamente nenhum desses sentimentos. São livres e donos do seu pensamento, ainda que tenham optado por não viverem de forma independente, em prol duma vida a dois, duma vida onde, supostamente, se vive em total comunhão, entrega e cumplicidade.
Há aqueles que defendem que são até livres de concretizar fisicamente os sentimentos que entretanto surgiram orientados para fora da esfera do casal, não sentindo porém que tenham a liberdade de abandonar o lar, que consideram verdadeira "traição".
E num segundo momento de reflexão perguntamos: E esses sentimentos, são realmente vividos de forma pacífica e alegre, livre, afastada de todas as prisões, idealizações que sempre fazemos do amor e do casamento? Haverá ou não lugar a uma culpabilização interna, ainda que exteriormente aparentemos uma fria convicção de que a nossa posição é, toda ela, correcta?
"Estou casado, mas não estou morto." Sei que terei desse lado muitos ecos desta resposta.
Mas reparemos: será que numa relação a dois, é aceitável e "normal" que a pessoa se sinta morta, e precise de estímulos sexuais, amorosos, externos para se sentir viva, feliz, divertida e motivada? O facto de a pessoa sentir que o casamento é um limite à sua liberdade, (seja ela liberdade de pensamento ou de acção), não tentará disfarçar apenas o sentimento de que, ela sim, já não sente que permanece por "livre" vontade no seu casamento, agarrada que está às suas prisões? Ou é um estado transitório até obter a coragem para, livremente, ir embora?
A exclusividade sexual, que pode ir do campo meramente fantasista até ao campo carnal conretizado, deve também ela, ser vivida e oferecida em plena liberdade, livre de obrigações que não as da nossa própria vontade e desejo sexual.
A exclusividade sexual, embora estranhamente sempre discriminada e desacreditada, é também uma opção razoável, real, possível e compatível com a condição humana. É um sentimento, para o qual estaremos abertos, livres, ou não, de acordo com aquilo que a nossa vivência e as nossas prisões nos ditarem. É, também ela, uma vontade.
Para os que ripostam dizendo que o homem, é antes de tudo, um animal, também ripostaremos, que ele é, depois de tudo, razão, cultura e educação. Além disso, há inúmeros exemplos de monogamia na natureza, a começar por certas espécies de ratos e a acabar nos elefantes.
O ser humano não vive apenas de reflexos condicionados e instintos básicos. E mesmo que assim fosse, na diversidade que é o ser humano, um dos seus instintos poderá ser o da monogamia.
É deveras importante não remeter o plano racional e emocional do homem para o fim da história. Toda a nossa sociedade existe, construída e alicerçada naquilo que nos diferencia dos outros animais: a capacidade de escolher, optar, de dizer e sentir que não ou que sim.
Ela (a exclusividade sexual) pode ser vivida dentro duma relação, de forma física e concretizada, ou apenas a nível mental, fora de uma relação, a sós, fazendo do objecto de desejo, o único que estimula e acende a libido.
Na verdade, é apenas um reverso da mesma moeda que tem, do outro lado, a abertura sexual a vários parceiros e que merece a mesma credibilidade e atenção quando pensamos e falamos de Amor.
Atenção: não há nenhuma obrigatoriedade em deixarmos de estar apaixonados ao fim de 2 anos. Por favor, não nos sintamos culpados porque o nosso sentimento é intenso e cego ao fim de 10 anos de comunhão com o mesmo parceiro! Não entendemos que haja sequer algum transtorno psiquiátrico em torno disso. É uma orientação de vida, uma obediência a um sentimento forte que não desaparece (e isto pode efectivamente acontecer, não vamos dizer nem sempre nem nunca), uma simples convicção.
Isto é tão passível de acontecer como acontecer o inverso.
Obviamente esta forma de sentir chocará com o indivíduo que funcionar de forma diferente, especialmente se partilharem a vida um com o outro.
Mas mais uma vez, aí é altura de sermos livres, de decidir de acordo com as nossas motivações e preferências pessoais.
Podemos ficar, podemos ir embora.
Se estivermos predispostos a isso, podemos ficar e até tentar mudar (e eventualmente sermos bem sucedidos). Ou podemos simplesmente preferir recomeçar de novo.
A nossa liberdade é aquilo que nós conseguirmos deixar que ela seja, a nossa vida o reflexo resultante das nossas próprias permissões.
E da nossa coragem.
O ser humano nasceu condenado à liberdade, à agonia de passar o percurso inteiro da sua vida a fazer escolhas e a formar opiniões.
A sua liberdade é coartada pela apenas pela autoridade e quando ofende a liberdade dos outros, quando colide com o campo de liberdade de outra pessoa, ou quando ofende o bem-estar social, onde a censura pode não ser policial ou autoritária, mas pode levar a outras formas de ostracismo, como a exclusão social ou solidão.
Porém, homens e mulheres nasceram reféns da sua própria condição biológica, genética, fisiológica. Não podemos abandonar o próprio corpo, não podemos ignorar os seus sinais: a dor, o sono, a fome, o cansaço. Podemos optar por suportar a dor, resistir ao sono, tomando um café, enganar o estômago, enchendo-o de água ou tomar vitaminas para melhorar a vitalidade e sentirmos maior grau de energia, mas não podemos escolher não os sentir.
E o amor? Podemos não sentir os sinais do amor? Podemos senti-los e ignorá-los?
O amor é também ele, e perdoem-me os idealistas romantizados, um fenómeno bioquímico. Com efeito, a paixão surge quando nos deparamos com alguém por quem nutrimos um sentimento tão forte que o nosso equilíbrio bioquímico é alterado, tornando a nossa vida focada no outro, de forma quase cega ou obsessiva.
Aliás, muitos cientistas descrevem a paixão como um estado patológico e meramente inicial do amor. É tudo culpa de estimulantes naturais como a dopamina e a noradrenalina, produzidas em quantidades maiores que o usual quando se está apaixonado.
A grande questão, que não podemos descurar, é que estas alterações bioquímicas existem sempre e só se houver uma predisposição ou uma abertura para as sentir. Traumas, defesas, medos, um amor ou mera paixão já existentes podem, de facto, impedir que o nosso corpo reaja ao exterior por forma a sentir desejo ou paixão por outra pessoa.
Resta então saber se é uma opção nossa, tomada na nossa liberdade, (estarmos abertos ao amor), ou se não decidimos isso por nós, se é a nossa vivência que condiciona a nossa própria liberdade.
Parece possível admitir que pode dar-se o caso de quereremos ser livres para amar e algo nos aprisiona. É isso também, em última análise, uma opção, ("O meu organismo pode amar, mas opto por não o fazer pois não posso ou tenho medo"), ou um condicionalismo que nos ultrapassa ("Não sei porque não consigo sentir amor e esforço-me para o sentir").
A resposta correcta é que "depende".
É certo que muitas vezes optamos por um caminho, conscientes de que poderíamos seguir pelo outro. Também é certo que muitas vezes não conseguimos simplesmente desviar-nos do caminho que já não queremos convictamente prosseguir. Os fenómenos do inconsciente são os mais difíceis de compreender e domar, mas acompanham-nos diariamente, a cada instante. Dependendo do que temos guardado dentro de nós, e de quão bem guardado isso esteja, mais simples ou complexo será "sermos livres", de nós próprios e para nós próprios.
Dificuldades à parte, apaixonamo-nos, por opção, por estarmos abertos, por querermos. Dificuldades de lado, deixamos que a interacção entre a nossa mente e corpo e a outra pessoa, ou a projecção que fazemos dela, altere o nosso modo de funcionamento físico habitual.
Contudo, é outra hormona, a oxitocina a causa para a existência da satisfação sexual com uma só pessoa. A capacidade de prolongar as relações amorosas dependente dessa hormona. Ela permite modificar milhões de circuitos no cérebro e, assim, influenciar a percepção de cada indivíduo face ao real. Pessoas que produzem menor quantidade de oxitocina têm maior dificuldade em permanecer muito tempo apaixonadas. Liderada por essas moléculas, a química sexual dura em média dois anos. Esse é o tempo que os entendidos atribuem à paixão. O amor surge então quando a oxitocina substitui as neutrofinas. Nessa altura, o desejo intenso, típico de um apaixonado dá lugar a uma forma mais enternecida de amar. Mas, os psicólogos também afirmam que a bioquímica não faz tudo sozinha. Manter a relação depende também da razão, compreensão, habilidade e até do contexto histórico. Estas advertências foram feitas também relativamente a um estudo feito muito recentemente sobre a sexualidade masculina, levado a cabo na Suécia. Parece que a existência do alelo 334 nos seres humanos de sexo masculino, especialmente se possuem uma ou duas cópias desta variação especifica no gene, têm o dobro das hipóteses de experimentar problemas com relações monogâmicas e em manter-se interessados numa só parceira. Estudos anteriores feito com mulheres gémeas também revelaram que nas mulheres podem ser mais ou menos infiéis de acordo com a sua genética, embora nada se relacione com o alelo 334, que não é aplicável ao sexo feminino.
Posto isto, algumas reflexões se impõem: somos realmente livres para amar? amamos desprendidos de todas as "prisões" educacionais, culturais, sociais, familiares que consciente ou inconscientemente nos acorrentam? Optamos por amar ou não amar uma pessoa, ou o próprio curso da nossa vida, das nossas experiências leva-nos a procurar alguém ou a afastar alguém do nosso caminho, sendo que o resultado, se a nossa vida tivesse sido outra, seria diferente? Somos condicionados pelo nosso corpo, pela sua bioquímica, ou activos condicionantes deles?
Parece-me inevitável concluir que a nossa liberdade nestas matérias é meramente conceptual. A liberdade é uma responsabilidade quase incomportável e acarreta a aceitação das consequências das nossas escolhas, escolhas essas que fazemos, porque somos livres. Ninguém vive isolado das suas sombras, das suas memórias, dos seus medos e experiências. Todas as condicionantes das nossas escolhas, são as nossas prisões.
Numa relação, casamento ou outro tipo de ligação, também lidamos quotidianamente com o peso da liberdade.
O ideal seria escolhermos livremente casar. Mas será que o fazemos? Muitas pessoas, especialmente mulheres, casaram e casam como motivo aceitável para as suas famílias originárias permitirem emocionalmente que saiam de casa, muitos casais unem-se porque mantiveram relações sexuais donde resultou uma gravidez, muitos homens casam para terem sexo regular e estável nas suas vidas e, muitas vezes, por gratidão.
Tudo bem: é certo que será sempre uma opção "não casar". Mas será que controlamos tanto assim as nossas prisões? Para se decidir em liberdade, é preciso que essa decisão esteja isenta de pressões ou constrangimentos de qualquer tipo. Esse elemento integra o conceito comum de liberdade.
Se formos minuciosos no pensamento, somos forçados a perceber que a nossa liberdade não acaba apenas onde começa a do outro, acaba antes disso, onde as nossas prisões e barreiras começarem.
Manter-se num casamento atravessa o mesmo rio de dificuldades. O Amor pode acabar, A paixão inicial pode terminar sem que reste nada mais, ao invés de se transmutar e durar uma vida inteira e ainda assim a pessoa pode decidir manter-se casada.
Mais uma vez verificamos que o casamento pouco tem a ver com o Amor. Até porque sabemos que há muitos casamentos , sólidos, onde as pessoas já se apaixonaram, pensaram, fantasiaram, amaram outras pessoas sem que, contudo, tivessem escolhido "abandonar o barco".
E muitas dessas ocorrências contaram, quando existe uma relação de confiança com o parceiro, com a concordância e compreensão amiga deste. É o casal que decide, de acordo com as suas sombras pessoais, vivências e desejos, quais a prisões que prevalecem e determinam as suas escolhas. A confiança entre os parceiros, terá sido, porém respeitada.
Muitas pessoas viveram essas ocorrências em segredo, sem as manifestar no casamento. Talvez por não se sentirem realmente livres para as terem vivido, talvez porque o medo de que as suas opções tenham afectado a liberdade do outro a ponto de o magoar e desrespeitar levassem à perda duma relação que lhees trazem alguma tranquilidade, como que se de um fio de prumo se tratasse e equilibrasse toda uma vida. Aí poderemos dizer que houve uma verdadeira infidelidade, pois quebrou-se o laço de confiança e verdade em que deve assentar o casamento.
Há aqueles que defendem que são livres de pensar, de desejar outras pessoas, de fantasiar, flirtar, seduzir, embora não se sintam livres para concretizar fisicamente nenhum desses sentimentos. São livres e donos do seu pensamento, ainda que tenham optado por não viverem de forma independente, em prol duma vida a dois, duma vida onde, supostamente, se vive em total comunhão, entrega e cumplicidade.
Há aqueles que defendem que são até livres de concretizar fisicamente os sentimentos que entretanto surgiram orientados para fora da esfera do casal, não sentindo porém que tenham a liberdade de abandonar o lar, que consideram verdadeira "traição".
E num segundo momento de reflexão perguntamos: E esses sentimentos, são realmente vividos de forma pacífica e alegre, livre, afastada de todas as prisões, idealizações que sempre fazemos do amor e do casamento? Haverá ou não lugar a uma culpabilização interna, ainda que exteriormente aparentemos uma fria convicção de que a nossa posição é, toda ela, correcta?
"Estou casado, mas não estou morto." Sei que terei desse lado muitos ecos desta resposta.
Mas reparemos: será que numa relação a dois, é aceitável e "normal" que a pessoa se sinta morta, e precise de estímulos sexuais, amorosos, externos para se sentir viva, feliz, divertida e motivada? O facto de a pessoa sentir que o casamento é um limite à sua liberdade, (seja ela liberdade de pensamento ou de acção), não tentará disfarçar apenas o sentimento de que, ela sim, já não sente que permanece por "livre" vontade no seu casamento, agarrada que está às suas prisões? Ou é um estado transitório até obter a coragem para, livremente, ir embora?
A exclusividade sexual, que pode ir do campo meramente fantasista até ao campo carnal conretizado, deve também ela, ser vivida e oferecida em plena liberdade, livre de obrigações que não as da nossa própria vontade e desejo sexual.
A exclusividade sexual, embora estranhamente sempre discriminada e desacreditada, é também uma opção razoável, real, possível e compatível com a condição humana. É um sentimento, para o qual estaremos abertos, livres, ou não, de acordo com aquilo que a nossa vivência e as nossas prisões nos ditarem. É, também ela, uma vontade.
Para os que ripostam dizendo que o homem, é antes de tudo, um animal, também ripostaremos, que ele é, depois de tudo, razão, cultura e educação. Além disso, há inúmeros exemplos de monogamia na natureza, a começar por certas espécies de ratos e a acabar nos elefantes.
O ser humano não vive apenas de reflexos condicionados e instintos básicos. E mesmo que assim fosse, na diversidade que é o ser humano, um dos seus instintos poderá ser o da monogamia.
É deveras importante não remeter o plano racional e emocional do homem para o fim da história. Toda a nossa sociedade existe, construída e alicerçada naquilo que nos diferencia dos outros animais: a capacidade de escolher, optar, de dizer e sentir que não ou que sim.
Ela (a exclusividade sexual) pode ser vivida dentro duma relação, de forma física e concretizada, ou apenas a nível mental, fora de uma relação, a sós, fazendo do objecto de desejo, o único que estimula e acende a libido.
Na verdade, é apenas um reverso da mesma moeda que tem, do outro lado, a abertura sexual a vários parceiros e que merece a mesma credibilidade e atenção quando pensamos e falamos de Amor.
Atenção: não há nenhuma obrigatoriedade em deixarmos de estar apaixonados ao fim de 2 anos. Por favor, não nos sintamos culpados porque o nosso sentimento é intenso e cego ao fim de 10 anos de comunhão com o mesmo parceiro! Não entendemos que haja sequer algum transtorno psiquiátrico em torno disso. É uma orientação de vida, uma obediência a um sentimento forte que não desaparece (e isto pode efectivamente acontecer, não vamos dizer nem sempre nem nunca), uma simples convicção.
Isto é tão passível de acontecer como acontecer o inverso.
Obviamente esta forma de sentir chocará com o indivíduo que funcionar de forma diferente, especialmente se partilharem a vida um com o outro.
Mas mais uma vez, aí é altura de sermos livres, de decidir de acordo com as nossas motivações e preferências pessoais.
Podemos ficar, podemos ir embora.
Se estivermos predispostos a isso, podemos ficar e até tentar mudar (e eventualmente sermos bem sucedidos). Ou podemos simplesmente preferir recomeçar de novo.
A nossa liberdade é aquilo que nós conseguirmos deixar que ela seja, a nossa vida o reflexo resultante das nossas próprias permissões.
E da nossa coragem.
quarta-feira, 3 de setembro de 2008
A infidelidade
Este é talvez o tema mais difícil em torno do Amor, ou do que se sabe acerca dele.
Se reflectirmos, percebemos que o conceito de fidelidade assume contornos ainda mais inespecíficos que os do próprio amor. Na verdade "fidelidade" nunca poderá ser pensada, conceptualizada afastando a ideia de "confiança" quando pensamos num relacionamento a dois. Aliás até a própria raiz etimológica de ambas as palavras é a mesma: "fidelitas", "fides". Na verdade, temos também aqui a origem da palavra "fé".
Se reflectirmos, percebemos que o conceito de fidelidade assume contornos ainda mais inespecíficos que os do próprio amor. Na verdade "fidelidade" nunca poderá ser pensada, conceptualizada afastando a ideia de "confiança" quando pensamos num relacionamento a dois. Aliás até a própria raiz etimológica de ambas as palavras é a mesma: "fidelitas", "fides". Na verdade, temos também aqui a origem da palavra "fé".
Religiões à parte, uma relação de confiança, de mútua fidelidade, portanto, é também uma relação de fé. Tal como na religião, essa fé pode ser abalada ou não ao longo da vida por vários factores que levam o ente enamorado à descrença e à desilusão na relação amorosa.
Entendo que, na verdade, o conceito de fidelidade tem sido estritamente aplicado e defendido, levando-nos a concepções erróneas sobre o seu significado.
Entendo que, na verdade, o conceito de fidelidade tem sido estritamente aplicado e defendido, levando-nos a concepções erróneas sobre o seu significado.
Aquilo a que hoje assistimos é a uma confusão entre exclusividade sexual, nos seus vários níveis em graus e campos que podem variar de acordo com a personalidade ou conveniência dos envolvidos e a"fidelidade". Falamos da fidelidade sexual física, da fidelidade sexual mental (fantasias eróticas extra-parceiro), da fidelidade emocional (atracção, desejo, "flirt", paixão por outras pessoas) ou fidelidade sentimental (amor por outra pessoa).
Na verdade, no conceito de fidelidade assenta muito mais o de verdade que o de exclusividade. A fidelidade não se esgota e, em bom rigor, nem tem que assentar na ideia de exclusividade sexual. Existem vários acordos relacionais entre os parceiros em que é mutuamente aceitável a prática de qualquer prática sexual, mental, emocional ou afectiva fora das portas da relação. Ou até dentro das portas da relação.
Vejamos o caso dos casais ditos "swingers". Dizem os entendidos nas matérias, os terapeutas familiares, sexólogos e outros estudiosos do caso, que os casais swingers são os casais mais felizes, amigos e que conseguem cultivar um maior grau de companheirismo e enamoramento por mais anos.
Não espanta que assim seja.
Na verdade, a inexistência de exclusividade sexual é não só ela consentida como também envolve a presença do outro parceiro no acto sexual.
Podemos sempre dizer que são "promíscuos". Mas o significado da palavra aponta para uma "mistura descoordenada". Não é o caso. Parece que não há grandes rótulos a colocar a este grupo de pessoas que opta consentidamente por viver assim a sua sexualidade dentro da relação.
Parece até um pouco absurdo que se considere a prática do "swing" como "infidelidade consentida", como muitas vezes ouvimos, dado que uma infidelidade já pressupõe o seu não consentimento.
Outras considerações de ordem médica, moral, religiosa podem ser feitas, mas em abstracto não temos aqui nenhuma quebra de confiança no casal. Não há infidelidade.
São casais que aceitam que o seu envolvimento sexual pela outra pessoa já não os satisfaz plenamente e que, embora mantendo algum ou muito desejo sexual pela pessoa com quem pretendem manter a sua relação afectiva, necessitam, para se sentirem plenamente felizes e realizados colmatar essa "parte do Amor" que se foi desgastando ou que nunca existiu introduzindo novos elementos estimulantes à sua rotina, tentando assim, vencer a monotonia que não conseguiram quebrar de outra forma, nem a dois.
Este modelo de relação resulta como sendo mais aceitável do ponto de vista da confiança do que as relações convencionais onde a prática de atitudes sexuais, grosso modo, sejam elas meramente uma fantasia secreta, uma atracção, um desejo, um flirt, uma paixão ou a prática física de actos sexuais com outras pessoas são realizados, pensados, sentidos, a despeito da vontade do parceiro, sem que ele deles tenha conhecimento.
É que a exclusividade sexual é algo que só poderá partir da vontade de cada um, da chamada "cegueira para o mundo" que, na grande maioria, apenas vive nos estados iniciais de uma paixão abrandando ou até desaparecendo com o decorrer do tempo e a habituação à mera presença do outro.
O outro não tem que mudar, que desiludir, basta que se mantenha ali, como sempre foi, ou pode tornar-se ainda mais fascinante, e a bioquímica e a permanente insatisfação e curiosidade humanas encarregar-se-ão de começar a precisar de novidades para se sentir novos desafios e motivações. Uns assumem-no, outros não.
Esta falta de verdade decorre grandemente das imposições morais e éticas da sociedade ainda fortemente enraizada nas práticas religiosas e nos bons costumes que remontam a tempos já perdidos na memória.
O modelo porém, começa a cair hoje em desuso, embora fosse muito comum antes da emancipação da mulher e da sua conquista pela igualidade dos sexos. Era mais comum que o homem, nas relações heterossexuais, ferisse os seus votos de fidelidade à sua mulher, especialmente no que concerne ao desejo, atracção, flirts e prática de actos sexuais com outras parceiras e que as mulheres os ferisse no campo da fantasia e das paixões secretas inconfessadas.
Motivos económicos e de ordem social impunham-se aos desejos e sentimentos pessoais, motivos esses que hoje começam gradualmente a deixar de fazer sentido.
Hoje, é costume ouvir-se que as pessoas já não têm tolerância e "já não há amores como antigamente". É falso, porém, que assim seja.
Ainda há muitos casais que não respeitam as suas promessas de fidelidade, mantendo práticas escondidas do seu companheiro. Todavia, é verdade que cada vez mais o ser humano se assume, na sua individualidade e egoísmo e decide não avançar uma relação onde componentes do sentimento "Amor" se vão canalizando para outros horizontes.
Ocorre, muitas vezes, a tendência para culpabilizar o parceiro por aquilo que se deixou de sentir por ele, mesmo quando ele continua firmemente igual ao que sempre se mostrou, ou ainda mais cativante. Mas isso mais não é que a necessidade de desculpabilização própria pela perda dos nosso próprios afectos, e de um acto meramente egoísta e carregado de dor pelo fracasso de um grande projecto de vida ou de um sonho de Amor.
O carinho, amizade, companheirismo parece ser aquilo que de facto, e desde sempre, se mantém numa relação afectiva a longo prazo.
Se antigamente as pessoas aceitavam essa circunstância como uma fatalidade, admitindo uma vida inteira de desejos e práticas secretas, de sexualidade e paixão canalizadas e orientadas para fora dos seus relacionamentos, hoje em dia, assistimos a um número vertiginoso de divórcios que parece acelerar o seu aumento a cada momento que passa.
Não é verdade que as pessoas amem menos, que sejam mais "infiéis". Isso é, com efeito, redondamente falso.
O que se passa, é que as pessoas, hoje em dia, têm a possibilidade de ir embora (por exemplo, as mulheres antes não tinham o direito a pedir o divórcio em Portugal por motivos de adultério, até 1967, excepto se essa prática se revestisse de "escândalo público", e ainda nem cinquenta anos sobre isso se passaram. Os homens hoje não são mais julgados por abandonarem o lar e os filhos sem o seu sustento pois a mulher é hoje capaz de alimentar os filhos com e sem ajuda do pai ausente).
Actualmente, homens e mulheres são, isso sim, mais fiéis e honestos nas suas relações. Contudo, hoje o casamento acontece mais frequentemente por "Amor" ou algo parecido ao "Amor". Já poucos casam por meras questões sociais, por alianças de famílias, por sobrevivência económica. Aliás, na própria família real espanhola temos um belo exemplo disso: o Príncipe Filipe casou com uma mulher que não pertence a nenhuma das famílias reais, Letizia é jornalista de profissão. É este um sinal dos tempos modernos.
Pórém, aqueles sim, eram motivos duráveis para manter um casamento.
A longevidade de um casamento não depende do Amor. "Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa."
Andamos todos errados em torno de idealismos românticos completamente oníricos.
Um casamento, não depende de amor ou paixão para sobreviver. Um casamento depende apenas da vontade do casal, dos acordos e premissas que estabelecem ao longo da vida para uma convivência passível de agradar aos dois. E isso pode até nem incluir exclusividade sexual e afectiva nas suas vertentes abordadas. Pode até nem incluir Amor, na sua plenitude e em todas as suas vertentes. Mas incluirá necessariamente confiança.
Casamento e Amor cruzam-se provavelmente no início do primeiro mas o seu decurso raras vezes mantém o segundo. De resto, casamento e Amor são realidades distintas que podem ou não coincidir e, mesmo que um dia coincidam, podem ou não manter-se juntas.
Mais dependerá a saúde do casamento da confiança que do próprio Amor.
segunda-feira, 1 de setembro de 2008
O esvaziamento do conceito - uma introdução.
Se alguém souber o que é o Amor, por favor levante o braço.
Reformulo: se alguém souber o que é o Amor, levante, por gentileza, os dois.
Quando se aperceber do trilho que o seu raciocínio tomará, já o primeiro conceito terá sido abandonado, adulterado, metamorfoseado, imbricando-se num segundo, de onde se partirá para um terceiro ou quarto conceitos, ou até um quinto novelo de palavras e sensações com que se tentou já antes deste exercício definir o Amor.
O entendimento do que é o Amor sofreu tantas transmutações ao longo de séculos que será uma tarefa difícil a de condensar todas as descrições ou tentativas de o descrever que vamos encontrando entre os filósofos, filólogos, artistas, psiquiatras, sexólogos, psicólogos, sociólogos, e outros "ólogos" da era actual.
Na verdade, creio que cada ser humano tem dentro de si a sua resposta mágica para esta questão. Sem palavras, que apenas complicam o que já é de si parece complicado exprimir. Logradas as tentativas de definir o indefinível, aquilo que mistura uma alteração bioquímica no organismo, com uma série de directivas recebidas pelas traves mestras da nossa educação, cultura, religião e personalidade própria, compreendemos que Amor será, necessariamente, tudo aquilo que se sente como sendo "Amor". Uma palavra tão pequena, tão cheia de tudo.
E por favor, não tentemos categorizá-lo. Amor Platónico, idealizado, mental (mais correcto seria o Socrático, mas as suas ideias foram difundidas e escritas por Platão), Amor de Mãe, Amor Fraterno, Amor Romântico, Amor ao Próximo, Amor Próprio. O Amor é o Amor. Aqui debateremos o Amor a dois. O Amor carnal, o amor que leverá dois seres a atrairem-se mutuamente pelas suas afinidades e polarizações. O amor iniciático, o amor como resultado aritmético da soma holística da grande amizade com a paixão, que inclui o desejo sexual.
Ainda hoje, dois séculos volvidos sobre os Românticos e a "coita de amor", somos reféns desse modelo, já cantado por Shakespeare em Romeu e Julieta 300 anos antes.
Não podemos, porém, ser injustos com a Igreja Católica e o significado do sacramento "matrimónio".
Tudo isto misturado, temos uma teia de (pre)conceitos que são inculcados na definição de Amor de forma quase artificial. Somos treinados, ensinados a amar uma só pessoa, desesperadamente e para toda a vida. Depois apercebemo-nos, de que se já a amámos desesperadamente, já não amamos mais da mesma forma. Se é que ainda a amamos. Se é que ainda queremos passar o resto da nossa vida com a pessoa escolhida.
Hoje deixamos de sentir o Amor para passar a personificar o que sobre ele se tem escrito e ensinado. Na verdade, não raro, o sentimento de culpa aparece associado aos nossos afectos, que nos parecem algo parecido ao Amor, mas não tão nobres quanto aquele rio de emoções que matou Romeu e matou Julieta, ou que nos faz desejar ficar 60 anos da nossa vida ao lado de alguém. Mas no fundo, sabemos que aquilo que sentimos e não sabemos explicar enquanto presença do Amor, pois contra tudo o que nos ensinaram acerca dele vai, é também em parte, ou é uma parte do sentimento Amor, talvez não todo.
O Amor não tem uma fórmula ou uma receita.
Sente-se.
É algo que, de tão simples de acontecer, se tenta obrigatoriamente e sempre complexificar.
Parece natural ao ser humano tentar explicar aquilo que não consegue igualar aos próprios mitos que criou.
Criou-se a ideia de que o Amor é tudo o que vale a pena na vida. E agora, sempre terá que valer, seja qual for o custo.
Criou-se a ideia, de que o Amor tem que durar uma vida inteira. E agora, terá que durar, até como manifestação de sucesso pessoal, como se isso se tivesse tornado mais um "goal" a atingir na enorme "tasks list" de uma vida bem sucedida.
Depois, (ou até antes) a sempre actual "guerra dos sexos". Desde tempos imemoriais, ao homem foi permitido amar a sua mulher, mesmo mantendo envolvimentos sexuais com outras pessoas, fora da esfera íntima do casal.
Já à sua mulher, não seria permitido amá-lo e manter envolvimentos físicos com outros homens. Essa prática era considerada suja e motivo de abandono.
Se remontarmos ao Direito Romano, sendo certo que esses valores já lhe eram pré-existentes, descobrimos os motivos pelos quais a sociedade foi delineando as "permissões" ao Amor desta forma. É que, sendo a mulher o género que engravida, e sendo os filhos a garantia de sucessão da família, se se aceitasse que a mulher tivesse relações sexuais fora do seio do casal, então admitir-se-ía que os filhos pudessem não ser do pai que os iria sustentar. Este entendimento ainda foi aludido em muitas decisões em processos de divórcio durante o Estado Novo português, no século XX. A infidelidade do marido não era motivo justificado para pedir o divórcio, até porque a mulher não tinha o direito de o pedir, mas a infidelidade da mulher era legalmente condição suficiente para que o marido a afastasse da sua vida.
E falamos apenas do mundo ocidental, da cultura e modelo ocidentais de relacionamento.
Bom, entretanto as mulheres emanciparam-se e começaram também elas a reivindicar os seus direitos, incluindo o direito ao divórcio. Este fenómeno veio revirar completamente o panorama do Amor institucionalizado, assinado, contratado.
Na verdade, as mulheres iniciaram também elas um processo de permissão ao Amor, envolvendo-se com outros parceiros e optando por manter ou não as suas relações. Esta mudança veio atemorizar os homens que perceberam que rapidamente perderiam a segurança que milhares de anos de História lhes atribuiram.
Então, novos conceitos de Amor surgiram, mais pragmáticos, menos idealizados e, por que não dizê-lo, mais defensivos. Agora esvazia-se o conceito de Amor, para que seja mais fácil conviver com todas as suas componentes mesmo quando elas não se encontram geminadas no sentimento devotado a uma só pessoa.
A paixão começa a ser afastada do Amor. A atracção começa a ser afastada do Amor. A fidelidade começa a ser desconstruída e desmontada em fidelidade emocional e fidelidade física ou ainda fidelidade ao nível da mera fantasia.
E quem ama com paixão sofre daquilo a que a moderna psiquiatria chama de "patologia de amor". A paixão é remetida para uma explicação técnica que se refere a uma baixa de sorotonina e de dopamina no organismo, considerada como um estado associado a transtornos como depressão major, ansiedade ou transtorno obsessivo-compulsivo.
A paixão passou a ser um "alvo a abater", até porque na verdade, ele abate-se a si próprio, na maior parte das vezes.
É nesta altura que a paixão passa a ser caracterizada por um mero estado inicial de enebriamento pela pessoa, objecto de desejo, que se encontra condenada a curto ou médio prazo, entre 4 meses a 2 anos, a desaparecer.
Caso alguém esteja apaixonado ao fim de 5, 10, 20 anos de relacionamento, estará, seguramente doente.
As mulheres, mais sujeitas a alterações hormonais, mais emocionais por natureza, rapidamente podem ser catalogadas como doentes de amor. Na verdade, sempre foram elas que mais viram inculcado nos seus valores, o conceito do amor romantico, desesperado, cego e eterno, fiel, apaixonado para todo o sempre por um só homem.
Na verdade muito se tem escrito e estudado sobre casos do chamado "amor patológico" que parece ser mais frequente em mulheres. Mais não é isso do que, na palavra dos técnicos, "amar demais".
Por todo o lado hoje se lê, se defende que "o que é saudável" é viver a dois, em família e temos que lutar contra todos os nossos instintos e tentações para alcançar essa meta.
Uma relação saudável, de "Amor", entenda-se, é hoje definida como uma relação morna de companheirismo, de amizade e muita muita muita tolerância e compreensão.
É permitido amar uma pessoa (sendo esse sentimento, a tal amizade e o tal companheirismo que são os únicos sentimentos saudáveis que deverão sobreviver depois da fase da paixão) e desejar-se, sentir-se atraído por outras, apaixonar-se por outras, "desde que isso não meta em causa a vida a dois e o equilíbrio da família".
A fidelidade mental e emocional é desconsiderada por se entender que cabe na esfera pessoal e individual de cada ser humano e está na livre disponibilidade de cada um, mesmo após se ter assumido um compromisso e se terem jurado paixão e fidelidade (mental, emocional e física), pelo menos, durante o tempo em que estiverem juntos, seja isso uma vida inteira ou não. Desde que não haja coito, ou um enamoramento para além da paixão por outra pessoa (até já o coito é desconsiderado na sua gravidade, desde que no coito não entrem ou não se admitam afectos como os que se sente pelo companheiro, que é, ele sim, o "ente amado"), entende-se que o Amor não está posto em perigo e também se aceita que todas essas promessas não foram quebradas, dado que se exige, antes de tudo o mais, bom senso e pouca ingenuidade à pessoa a quem essas promessas foram feitas. "Em que mundo vives tu?"
As vozes dissidentes são as vozes consideradas "doentes de amor" e que precisam ser tratadas.
No final, temos a desconstrução do conceito natural, inerente a cada ser humano, que sabia por si mesmo o que é o Amor, sem que fossem necessárias palavras, temos a sua deserotização, ao serviço da vida a dois na sociedade moderna e em nome da paz familiar e social.
Na verdade, leituras à parte, teorias e estudos postos de lado, todos sabemos que o Amor não é isto. Todo este desfilar de ideias, conceitos, acontecimentos é uma mera observação histórica e sociológica duma sociedade que está a pagar o preço da dispersão consumista, globalizada e do individualismo.
De todo o modo, sempre queremos manter os nossos mitos, pois ainda não estamos preparados para aceitar que, afinal, o Amor, não é tudo o que existe.
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